quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

isto não é um inventário

o arcebispo de buenos aires morreu esta manhã.
a mesa que não tinha verniz fazia com que as coisas apodrecessem mais depressa.
o rapaz deixou lá em cima a maçã que depressa oxidou.
o mar é uma coisa imensamente bonita e bonitamente imensa.
a veracidade do imenso é questionável pelo raciocínio.

a poesia tem de ter um compasso quaternário entre versos.
existem mais de setenta por cento de iliteratos em Portugal.
as tendências são coisas que naturalmente crescem.
quando não, passa-se a chamar tendência a outra coisa.

isto não é um inventário.
é um axioma complexo.

quando o Rafael se apaixonou pela Maria e a descreveu ninguém soube quem era a Maria na fotografia.

quando a Maria foi unanimemente descoberta, o Rafael não reparou na agudeza crítica e amarelecida que descia também unanimemente pelos narizes de todos.

isto acontece: evidentemente: porque não há relações com os outros.

a haver: há no plano sentimental.
se há no plano sentimental: há no presente.
se há no presente: não existe.

o raciocínio: se exigente: não aceita o haver relações.

a música explica muito da vida.
a arte também.
tudo.
e bastante concretamente.

há sons que por serem mais fortes tapam outros.
esses outros: são mais fracos.

o amor se existir é a relação que mais tempo do dia acompanha o homem.
por uma questão de intensidade.
como nos sons.

mas ninguém ouve o som que nós estamos a ouvir.
só se o som vier de fora.
vindo de dentro: o som é nosso.
e é só isto.

isto não é um inventário.
é um axioma complexo.



terça-feira, 25 de novembro de 2014

Complexo de tiro RAD obrigad] - traga apenas a vogal que lhe pertence

às vezes gostava de, baixinho, narrar-te o meu corpo e a maneira como te tocariam as minhas mãos

queria palavras cheias de significados e ilustrações a óleo demoradas em vinte e dois por três

um compasso lento qualquer cheio de peso e uma cadeira para te sentares 

não posso fazê-lo porque não sei ter a distância que era preciso para que tu me contemplasses

sentava-me no teu colo e tu desatavas a achar tudo exagerado 
eu retomava os teus olhos explicando-me com muitos gestos
saía da narração do meu corpo e da maneira como te tocariam as minhas mãos
e as ilustrações continuavam a demorar em vinte e dois por três
um compasso lento qualquer indiciava-me que pensavas ter uma mulher despida em cima de ti
as palavras cheias do primeiro começo escorregavam então a custo pelos meus ombros
e tu, constrangido, punhas as mãos em cima deles para me vestir e para as agarrar
para dizer as tuas últimas que caiam com o meu nome no cartaz

carolina 
             carolina 

fica aqui

e depois de pouco tempo ias embora


as tuas mãos ficavam em cima dos meus ombros a lembrar-me que a única intimidade que havia comigo era o espetáculo

e tu nem sabias que me tinhas dito isto pelo que eu não tinha como culpar-te 
educadamente num contentamento triste eu tinha-te só agradecido

a razão era que
                         o tempo é o que mais se perde e dói perder, obrigada.


daquela cadeira e em vinte e dois por três, obrigado era a única palavra que tinham o amor e arte

como tinha sido eu a dizer era obrigada que tinha saído






quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Morfologia: é o sufixo que escolhe a base e não a base que escolhe o sufixo

entra

esta é a minha casa

quando deixei de ter cá gente deixei de cozinhar. 

ali 

no fundo da minha cabeça fica o lugar onde considero.

sinto-o quase junto à parte detrás do pescoço e vem-me diagonal até ao queixo.

consiste num mecanismóide que tem uma esfera com arames pregados ao meu maxilar

há num deles uma borracha transparente apeliculada

uma coisa muito mole que vai a ficar centralmente debaixo da minha língua 

é um arame de muita qualidade e vem de dentro 

flexível na maneira de se comportar

serve para que eu execute sem dor as minhas complexas actividades vitais 

o movimento fundamental da esfera tem o propósito de eu ser capaz de dizer ou que sim ou que não

e eu sou capaz de dizê-los sem usar a parte de dentro da boca

e nesse momento a borrachinha só me levanta os dentes de baixo para não ameaçar abri-la

isto é primariamente para que ninguém tenha medo dos meus dentes

os outros movimentos servem para eu dizer o resto 

o mundo sim o mundo

e os parafusos do mecanismo do mundo

cá dentro 

cá dentro há só uma dor de cabeça e não é sempre

não

não há pensamentos

não me é familiar achar que os pensamentos possam estar dentro da cabeça

é uma ideia que me deixa ansiosa

quando os tenho novos 

procuro sempre um sítio largo que tenha separadores de veludo 

às vezes não me importa que sejam guardanapos

olha por exemplo as pratas 

não penses que as empilho simplesmente

ponho sempre um guardanapo entre uma e outra.

parece-me lógico isto.

quando deixei de ter cá gente deixei de ter as pratas expostas.





quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Divã

A definição em que me creio nem ninguém ma elogia nem ninguém ma insulta. Posto isto eu não posso apontar para ela como coisa além-eu e dizer olha!, tu também o dizes, tu também o pensas e sentes!, em quem mais podes acreditar senão em ti, amigo!, pois olha: eu concordo contigo e assim somos dois!, dois é mais forte! dois é mais forte! Passa-se, portanto, a estória de se ir carregando apenas dentro de mim a definição em que me creio: uns dias mais pesada, outros dias mais leve, é certo, interessando só que nunca se exagera até transbordar e me sujar a roupa. Denuncia-se em mim, doutor, uma de duas coisas: a loucura de me crer o que não me manifesto ou a tristeza de me ir fugindo para público um segredo plausível e escandaloso que em mim não existe. Haverá esta compilação genética para a desgraça que é a justificação queixosa de uma pessoa se sentir sozinha e incompreendida: é sabido que sim. Mas o que eu preciso de saber é quantos discursos frustrados sobre si mesmo aguenta um ser antes de se refundir na humildade sôfrega de uma consciência limitada que havemos de ter sobre as nossas "grandes e universais" limitações? Qual é a justiça da conformação das almas que não se podem servir da expressão por serem como um milagre de Fátima se o milagre de Fátima fosse vir a ser contado esta noite na televisão. Não estou a dizer que me acho à frente do tempo e que todo o problema é um desfasamento epocal e a culpa não é minha étecétera. Já vai pensar errado de mim... Eu sei. Mas era justamente a este aspecto que eu queria chegar: falho repetidamente e não tenho pena de continuar. Isto é uma coisa que tenho desde que me lembro doutor... O meu pedido é pois tremendamente simples: faça-me acreditar que me venceram. Vá-me ao cansaço, enlouqueça-me os espelhos todos que há. Tem dois anos para me fazer acreditar que toda a minha vido tem sido a perturbação mimada de uma criança grande teimosa com falta de pimenta na língua. Digo-lhe isto firmemente, apesar de eu já saber que a doutora não vai conseguir, porque agora, enfim, err... agora não tem como não se comover desta desgraçada criatura que veio auto-renunciar-se práqui; mas depois a doutora vai pensar que, na verdade, eu não penso assim como penso e temos a vaca armada. Enfim. Para tornar as coisas mais sérias: eu comprei uma arma.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Pode não

Eles não descansarão enquanto não nos destruírem completamente. Vão cansar-te como se cansa um cão.  Quando tu te cansares e dormires vão sussurrar-te que não pensas como achas que pensas. Pode pouco ou nada o homem contra isto. Como todo o homem morre dorme todo o homem. É uma consequência de dispersar por aí. É esse barco que te vão roubar. O teu aí jaz camarada e tu não sabes nem onde o velar. Eu também não sei. Nem já eles se lembram. Prometo-te amor, eu prometo que nada disso é preciso. No fim todos vamos querer aproveitar a vida. E também tu vais acreditar que queres aproveitar a vida. Pedro perdia a mulher enquanto o queixo dela lhe caía aos pés. Ele estava a reparar no quanto chovia. Ela levantou-se. Mas foi só isso que fez.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

escócia

semeava debaixo do paladar frases dela e colhia ainda verdes as frases que de outros lá ficavam para por dentro de um cesto que um dia havia de deitar fora. a terra que percorria era de uma simpatia extrema e cuidada e de cada vez que ela se baixava à terra com o cesto - para se cumprir - a terra cumprimentava-a com olhos ternos que convocavam um porto íntimo de beleza inexplicavelmente conhecida. no lugar de se baixar - atracava. 

morreu desta vida acompanhada pelo alheio sem nunca o deixar abrir em flor debaixo do paladar. se cantasse - cantava-se livre. e a menina que ia no seu colo olhava-lhe para o pescoço e via que lhe pulsavam as veias tal qual como a ela própria lhe vibrava suavemente o pulso. 

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Texto 51

O que tenho para dizer é convencer-te e foi para isto que aqui vim dizer: foi mentir-me aquilo que tenho feito. Esqueci-me de agendar que era para me despir depois de te teres ido embora da sala de jantar e fiquei ofendida porque não agendaste que tinhas de ter voltado para junto do meu corpo uns minutos depois. Posso aceitar que me perdoaste e posso perdoar que não me tenhas aceite, mas continuarei a mentir-me até me vedar de ti como te vedaste de mim durante tanto tempo que dá tempo a uma rapariga deixar de ser a rapariga para passar a ser a mãe. Hei de criar uma nossa senhora com o meu nome pois é assim que me sinto e isto é uma coisa que não costumo dizer. Só digo porque tu concordarás certamente que todos os sacrifícios individuais têm o mesmo tempo ainda que de tempos diferentes sejam. As coisas fundamentais são realíssimas e portanto só podem pertencer ao superlativo da função rigorosamente regular de sujeitamento sob o sinal físico. Assim se esbate o sinal físico para deixar de corresponder àquilo que se pensa. Aprendi a falar universalmente contigo para que não deixes queimar os ovos nos buracos em que lá terás de sentir para entender. Deste modo só te dou espaço para sentir depois de entenderes e aí já tens os ovos estrelados e podes dar-te de comer. Fatalmente, eu não vou estar à mesa. 

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

o cansaço de depois de aprender a respirar

era tão devagar que ela lhe fazia pedidos junto ao tornozelo que ele mal respondia. somos ar uns para os outros adivinhava. poucopensadamente indispensáveis. e se isto pudesse incomodar-lhe por dentro era com certeza uma impressão no estômago. mas não. isto incomodava-lhe por fora. e era uma impressão nas unhas. dizia-lhe e ele susurrava para dentro delas palavrões demorados e acrescentava que a partir de hoje sou eu quem dobra os turcos. ela ria-se e dizia que já passou já passou e pensei que morria disto. quando anoitecia e os lençóis adivinhavam-se outras coisas no escuro ela escavava naqueles terrenos húmidos e quentes e punha-se de volta do tornozelo do marido a exprimir unhadas em falso que eram só círculos pequenos fazendo dela a lua extremosa daquele monte triambíguo. ele não se mexia.

as manhãs começaram a ser pesadas como estar preso e ter que fazer e ela parecia ao marido não somente o fantasma que se ama e que connosco se confunde eternamente pélvico mas a escultura de pedra de apenas metade disso ainda na igreja a aparecer em flashes com sorrisos diferentes e aguçados da fome e da sede dos recém nascidos depois do cansaço de aprender a respirar.

numa manhã qualquer ele lembrou-se de perguntar olha lá como estás das unhas e ela disse-lhe que as unhas são a minha foz e que cada um tem a sua foz. ele sentiu uma impressão no estômago. disse-lhe. sussurava ela pela boca dele palavrões demorados e acrescentava que a partir de hoje sou eu quem dobra os sustos quando ele se mexeu e ela reparou que o que importava era estarem vivos tapados quentes e húmidos. e punha-se de fora do tornozelo do marido a exprimir unhadas em falso que eram só círculos pequenos fazendo dela a lua extremosa daquele monte triambíguo. somos ar uns para os outros adivinhava. e com impressões nos pulsos colados na hora de apanhar a uva havia no ar cheiro a medo de adivinhar coisas poucopensadamente indispensáveis.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

que amor não se entrega na noite vazia

posta a armada ali longe e vê-se daqui senhora os moinhos são os dentes dos bichos a apartar a distância que há entre todas as direcções senhora são ciclones aqueles que vêm para nos levar.

são sempre ciclones aqueles que vêm para nos levar maria. e vêmo-los de onde estamos quase das vezes todas. a lonjura e os olhos que não se aproximem não se vá acabar o medo são que dá fronteiras terrenas à eternidade. 

a brochura do livro dizia livro e as pessoas não perguntavam mais nada porque tinham mais que fazer. 




sexta-feira, 25 de julho de 2014

a mais bonita que aqui está

a madeixa era subentendida pelos cálculos dos olhos dela em forma de fintas e ziguezagues exagerados. grito d'olho lançado à falta de frase e à escassa coragem que é fazer da alma uma coisa tão longamente partilhada como um cruzar de setas. o infinito é haver dois a sentir o tempo da mesma maneira. a madeixa cairá para por início à variação e exigir o movimento findador do silêncio. aqui passa-se uma derrota que acalma porque a vitória está em compasso de estranha sinceridade e rudeza de batidas. todos a adivinham antes que caia. mesmo no escuro não surpreende ninguém. a beleza que existe naquela rapariga é a coisa que se adivinha que saia de todas as bocas mesmo que todas a saibam morta. os senhores da morgue quando lhe limparem o pedaço que demais sangrou vão rogar a sentença universal um para o outro e que bonita que era e isto tem de ser o céu e o castigo partilhando longamente como um cruzar de setas a eternidade que é o sítio para onde ela vai com cara de fim. antes inveja que piedade diziam todas as mulheres inseguras enquanto esperavam pelo outonecer dos ânimos e das palavras e das pernas que é uma coisa que aparece com a idade. já te disse que és a mais bonita de todas que elas não têm nada a ver contigo e isto é tudo o que te posso dar. a preferência estende-se no peito e é como um coração saudável a bater e uma energia de queixo para esticar o pescoço e levantar a cabeça. tanto que todas as bocas vêem a vitória na cara daquela mulher ao mesmo tempo e todas o gritam para que todas mesmo todas saibam e é tão alto lá em cima que há mais. como querendo mudar de tópico as bocas mudam de rosto e agora pedimos carácter de joelhos como judeus que somos do messias que assim se chama e morre a crença se cara houver em eterno corpo.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

do cessar fogo fiquei eu
e é só cansaço o que ainda me invade

a ordem que dei é a vaga lembrança da aflição que só faz por-me perda debaixo da língua

sei que quero ir para lá e até sei onde fica essa terra
espero só que antes se me abra o mar
para ver se consigo vê-la toda daqui
de longe
antes de a sentir debaixo dos pés para daqui não mais a ver

era bom que se queira muito o que se tiver

tanto se quer o que se quer muito

e é carregar para invadir ali que não existe
o que se soube visível desviado o mar

quinta-feira, 19 de junho de 2014

aquela ali ao fundo é a maria beatriz

                                                       eu já passei um fim de semana na casa dela

     é engraçado                                             ela tem um fascínio pelas arábias


                                                eles têm dinheiro

muito dinheiro até

              mas                     como veem               a maria beatriz é muito humilde

     
            pelo menos                                  fora de casa


é coisa que eu aprecio

                                            os ricos

      
                        os verdadeiros ricos

                                         passam sempre despercebidos fora de casa


 é a discrição hóstil que lhes dá ao queixo um levantar nobre      

apesar de sério e nada petulante

                                    
                                   é a manifesta elegância que faz os homens ficarem admirados


a inconfundível beleza que só conhece o adjectivo que lhe corresponde

                                                          como é bela maria beatriz                          

                                                como comove o charme daquela mulher

e o que dizem os outros homens e as outras mulheres que ouvem não é verbal


mas é verbalmente dizível por                   amén



sexta-feira, 6 de junho de 2014

e eu tenho lá culpa da arrogância do meu marido

minha senhora ouça tenha calma. minha senhora. mas tenha calma. ó e eu tenho lá culpa da arrogância do meu marido! tenha paciência! sim. sim. sim. e depois? sim. sim. mas ponha-se na minha posição. sim. ouça minha senhora. ponha-se lá na minha posição. ponha-se lá na minha posição. e. e diga-me se não vinha. pooois. sim. sim. mas pare lá de falar da arrogância do meu marido. pare lá de falar da arrogância do meu marido. defendo. defendo claro. então não defendo? então mas a senhora quer que eu faça o quê à arrogância do meu marido? ó minha senhora   pois. mas eu conheço o que tenho em casa e é mesmo assim. e olhe que não precisei. e olhe que não precisei de comprar casa com ele para lhe saber da arrogância. ai digo digo. então não digo? foi. foi. exactamente. pela arrogância. sim. sim. apaixonei-me pela arrogância. pois não. pois não. olhe não é bonito é a senhora estar-se aqui a meter onde não é chamada. mas o meu marido está ali senhora. o meu marido está mesmo ali ao fundo. sim. sim. não. não incomoda nada. não. acha querida? nem pensar. pois não. acha? não. nem pensar! com certeza. não não! eu faria o mesmo. sim. sim. sim. espere. ó Zé! ó Zé achas que podes receber aqui esta senhora? o que é que a senhora quer? diz que lhe falaste com arrogância. ó Zé não. não. eu não dou confiança Zé! Zé tu achas que eu estou a dar confiança à mulher? tem paciência Zé. Zé. Diz lá pá. sim? Zé! ó Zé então e eu é que tenho a culpa da prepotência da senhora? queres que mande a senhora embora? e eu é que estou a falar em frente à senhora Zé? Ó Zé    tem paciência. deixo estar? ó minha senhora diga-lhe você. grite! eu não vou dizer uma coisa dessas ao meu marido. não! não concordo nada. nem no fundo no fundo. alguma vez? minha senhora. a senhora não me envenene. porra Zé não estou a dar confiança à mulher! sei lá porque é que a mulher não desaparece. ai não me aguentas? ai não me aguentas? ta bem. ta bem.

e desatou ali a chorar. Zé e a senhora foram consolá-la. a senhora esqueceu a arrogância de Zé e Zé a arrogância da senhora. quando a mulher de Zé parou de chorar e brincou    a senhora foi logo embora  a dar pontapés numa moeda grande que não apanhou e Zé amuou durante o fim de semana todo e   de vez em quando lá olhava de alto a baixo para a mulher que lhe sorria e dizia baixinho ó rico filho. 

terça-feira, 27 de maio de 2014

técnica dos potenciais evocados

a primeira coisa que sentiu foi um osso. existindo tão flagrante nunca o sentiria. talvez se tenha distraído. desatenta no momento de ver e de sentir era aquilo tudo pesadamente. a gravidade da primeira sensação ali. toda num dente. pensar nisto confirmava a importância que isto tem. escrever isto superava a açucarada importância que só têm as coisas que explodem. rir. chorar. desatar aos gritos. os únicos moldes de ser são por sacadas rápidas. estuda-se o tempo que é a derradeira variável. a coisa única que potencia o dizer útil. a coisa única que potencia o dizer inútil. a coisa única que faz útil e inúil o útil e o inútil coexistir. 

a verdade só pode estar na dor

e só pode ter a dor

se a dor tiver mais dor que a dor

a dor não se fica mais por dor

a dor não se faz mais de dor

a dor fica por fita 

feita de fita

para deixar de pensar nisto há que mexer na cara. a cara é onde se vê a dor. a cara manda mais na dor do a própria dor. é a cara que deve explodir e retomar. é a cara que mais se mexe. foi para isso que GAU fez a cara. conhece a cara evita a fita. encara cara feita padrão de milissegundos bem abocanhados e bem saltitados por honorosa e digna e carassensação.

domingo, 25 de maio de 2014

oremos irmãos

o importante é a tribo. o fundamental é a tribo. a língua da tribo. é a língua da tribo. a língua da tribo é a língua do GRANDE ARQUITECTO DO UNIVERSO. doravante GAU. GAU diz. a gente ouve e escreve o que GAU diz e GAU é isso mesmo uma coisa que GAU diz e se GAU diz GAU GAU é a coisa que se escreve. pensar a poesia. ler poetas. pensar a poesia. a tribo é um compromisso. a tribo é tudo. a tribo não gosta de gente que brinca com a tribo. brincar com a tribo é provocar a ira de GAU. provocar a ira de GAU é o silêncio. mas não é um silêncio qualquer. é um silêncio que diz nas entrelinhas com cuspo de GAU "desprezo de GAU com toda a força desde os intestinos até à boca". e isto o desprezo de GAU dói como uma exposição de um pobre coitado disforme todo nu e malcheiroso com gente a cochichar sem que um saiba o que a gente diz e só pode  haver uma lucidez. esperar o pior. a língua da tribo. antes de ter a certeza que fala a língua da tribo o poeta sua e desespera perante a nua folha que se sente como adão e eva ante GAU. vergonha ante GAU é a pior vergonha e o poeta desconfia que é vergonha que a folha tem. vergonha ante GAU. como as folhas não sentem é o poeta que sente a vergonha. GAU ainda fala e diz "a língua da tribo". "a língua da tribo". não mora na tua língua porco a língua da tribo. o poeta pensa em ir buscar um grande touro vermelho para beber. o poeta pensa em despir-se. o poeta pensa em deixar de usar sutiã. o poeta pensa em passar grandes vergonhas e GAU observa e GAU é mais como os dos panteões que têm furias do que comós dos campanários que tem miséria e córdia. a córdia, a córdia! GAU observa. GAU calado mas com martelos duros na cabeça do poeta enxaqueco. na poesia não há musa. quando havia musa não havia musa. não havia poesia. na poesia há só tribo. na poesia há só GAU. GAU é o que ouvem as mães quando parem. GAU é o nome das coisas todas traduzido para a língua da tribo. o poeta tem de dizer o nome das coisas para que GAU entenda o que o poeta diz. para que GAU reconheça o poeta na tribo e a tribo DENTRO DO POETA. GAU não quer ninguém à imagem dele. GAU não quer um oriente ao oriente do oriente. GAU quer um por dentro virado ao contrário e revelado tal qual como se põe a mão dentro da boca de um homem e se puxa para fora os órgãos onde GAU quis que se tocasse a única  marcha fúnebre da existência da crueldade da beleza da fragilidade. o importante é a tribo. o fundamental é a tribo. a língua da tribo. é a língua da tribo. a língua da tribo é a língua do GRANDE ARQUITECTO DO UNIVERSO. doravante GAU. GAU diz. a gente ouve e escreve o que GAU diz e GAU é isso mesmo uma coisa que GAU diz e se GAU diz GAU GAU é a coisa que se escreve. pensar a poesia. ler poetas. pensar a poesia. a tribo é um compromisso. a tribo é tudo. a tribo não gosta de gente que brinca com a tribo. brincar com a tribo é provocar a ira de GAU. provocar a ira de GAU é o silêncio. mas não é um silêncio qualquer. é um silêncio que diz nas entrelinhas com cuspo de GAU "desprezo de GAU com toda a força desde os intestinos até à boca". e isto o desprezo de GAU dói como uma exposição de um pobre coitado disforme todo nu e malcheiroso com gente a cochichar sem que um saiba o que a gente diz e só pode  haver uma lucidez. esperar o pior. a língua da tribo. antes de ter a certeza que fala a língua da tribo o poeta sua e desespera perante a nua folha que se sente como adão e eva ante GAU. vergonha ante GAU é a pior vergonha e o poeta desconfia que é vergonha que a folha tem. vergonha ante GAU. como as folhas não sentem é o poeta que sente a vergonha. GAU ainda fala e diz "a língua da tribo". "a língua da tribo". não mora na tua língua porco a língua da tribo. o poeta pensa em ir buscar um grande touro vermelho para beber. o poeta pensa em despir-se. o poeta pensa em deixar de usar sutiã. o poeta pensa em passar grandes vergonhas e GAU observa e GAU é mais como os dos panteões que têm furias do que comós dos campanários que tem miséria e córdia. a córdia, a córdia! GAU observa. GAU calado mas com martelos duros na cabeça do poeta enxaqueco. na poesia não há musa. quando havia musa não havia musa. não havia poesia. na poesia há só tribo. na poesia há só GAU. GAU é o que ouvem as mães quando parem. GAU é o nome das coisas todas traduzido para a língua da tribo. o poeta tem de dizer o nome das coisas para que GAU entenda o que o poeta diz. para que GAU reconheça o poeta na tribo e a tribo DENTRO DO POETA. GAU não quer ninguém à imagem dele. GAU não quer um oriente ao oriente do oriente. GAU quer um por dentro virado ao contrário e revelado tal qual como se põe a mão dentro da boca de um homem e se puxa para fora os órgãos onde GAU quis que se tocasse a única  marcha fúnebre da existência da crueldade da beleza da fragilidade.

sábado, 24 de maio de 2014

medi idem: assim missa:

a coisa tão linda está escondida no botão que desliga o motor da tua cabeçuda vida de intelectualantintelectualista intimadorantintimista impecávelantimpecavelista e hás de andar à procura à procura, infinitamente à procura noutros sítios que julgas mais teus do que tu. mais teus do que tu exactamente por seres orgulhosioniricamente um ser de intelectualidade prosódica erudita e quem não te percebe está mais longe da coisa tão linda do que tu e então não se carpe pelos ignorantes. só pelos pobres é que se carpe. pelos pobres e pelos doentes carpir. contrós pobres carpir carpir. contrós doentes carpir carpir. eis o fim de todo o hino nacional e o fim da fronteira impecávelmentantimpecavelista intelectualmenteantintelectualista e mais que tudo intimadoraantintimista que há entre todos os países. eis le brute communisme do Mundo e de Deus que é tudo a mesma burrice. a vida é o alcance disso sem o alcance disso. a política é o alcance disso sem o alcance disso. o amor é o alcance disso sem o alcance disso. a poesia idem e idem só para não dizer que a poesia é. 


sempre tive medo que me aparecessem à frente fantasmas homens já que os homens sãos os únicos que têm fantasmas como toda a gente sabe e também são os únicos a ter Deus e Mundo que é tudo a mesma burrice. sempre soube qual era o tamanho do arrepio no coração que teria ao ver um fantasma desses mas nunca soube qual era o tamanho do arrepio no coração que teria ao ver ver a sério a fotografia da sala em que apareço criança e muito séria. depois de quase desmaiar pensei que era só eu. e era só eu. a vida é o alcance disso sem o alcance disso. a política é o alcance disso sem o alcance disso. o amor é o alcance disso sem o alcance disso. a poesia idem e idem só para não dizer que a poesia é. 

sábado, 17 de maio de 2014

e ela parou

nas pontas dos cabelos. usava molas de preta nas pontas dos cabelos. punha-as todas deitada e depois levantava-se e ficava sem nenhuma porque tinha cabelasiático. isto tudo é assim porque não há nãos do universo e a mudez da circunstância não tem cabeça sequer para abanar. foi a morte de inês de castro que acabou a paixão proibida ou foi o não de dom fernando. foi o não de dom fernando. as pessoas é que mandam nas coisas todas. e isto é uma coisa que toda a gente sabe. é por isso que um dia inês começou a deixar cair pele demais e a pele começou a escapar-se pela janela entreaberta e a sair por aquela espécie de canito por onde sai a água da chuva e um vizinho bonito foi investigar. arrombou a porta e viu-a deitada a por as molas. quieto olhou olhou e via via. ela levantou-se e pumba. depois começou tudo de novo. ele disse-lhe. não. e ela parou.

(to)maraquelalmofada dassalto

(exaus)to mara raquel almofada

           exausta e um pouco menos lúcida pela sensação firme de aiéparasemprestessonoquieutenho

vontades fortes de conhecer alguém com dedos grossos 

                    alguém com todos os dedos polegares

       e vontades de dois dos dez polegares 
              
                     do mesmo homem com dez dos grossos
  
      nas têmporas

            os quatro outros polegares de cada mão quero-os alinhados 

                              no lugar dariscabrancadastranças                  das crianças e das que se atrevem

e depois morrer           morrer                 morrer da força

                                                                                                                                                     claro

sexta-feira, 2 de maio de 2014

a nossa casa amor a nossa casa

shamar-te pró pé da minha pele e unir os meus pulsos com os teus é a minha música preferida. a minha cor preferida é o teu cheiro e fechar os olhos. imaginar o meu cabelo a tapar os meus sentidos porque escorres desde cima da minha cabeça e ficar sem calor é o destino. sh, sh, shorar por isto é a única coisa por que cruzo as mãos e olho para o céu à procura de deus porque deus existe à minha volta e vai fechando o círculo que está à minha volta com tanta força aperta de vagar às engrenagens do pequeno motor que oiço quando sinto com a minha boca a tua pulsação que tem mais força, mais força. ainda não te mexeste e já me dói o corpo de teres acabado de me tocar. o problema de toda a lisboa é a pré-saudade morar no sítio da saudade e a pós-saudade ser tão negativa que existe. não há remédio para a gente sensível que ama a beleza mais do que a saúde. a chave de casa é mole e não abre a casa. abre o mundo só e triste que mora nos olhos das pessoas que nos beijam o nariz de olhos abertos. nós estávamos de olhos abertos porque queremos que nos beijem os olhos de cada vez que nos beijam o nariz para ter muito a certeza que não nos vão arrancar deste conforto melancólico que é a cadeira doiro que balança e que é tão quente de seda azul. depois de beijados os olhos. depois de beijados os olhos os olhos fecham mesmo antes de nos beijarem até a ponta mais ponta dos dedos. subir é o que se quer. imponho-te a saudade dos meus lábios de cada vez que esculpires a pedra escravo do papel que gira gira lá fora gira gira a partir de dentro. sabe que vou fazer tudo para que não te esqueças que as tuas mãos não foram feitas para ti. se outra mulher alguma vez te beijar a ponta dos dedos vai remar contra a maré da saudade de toda a lisboa que cresce do meu umbigo quando fazes respiração boca-a-boca às saudades que tenho da minha mãe e me obrigas a ficar contigo contigo uma orfã que se ri contigo. essa saudade é toda e tu nem a conheces. é tua e ainda nem a sentes. quando chegar vais temê-la e tudo vai parecer amor. sabe que não nos vai parecer mal. é a coisa tão linda. é a coisa tão linda é a coisa tão linda destapada de ser coisa indefinida. é a coisa tão linda suplantando a forma das coisas e nascendo da medula do toque nosso em cores e em cheiros que nos trazem para uma nova casa. a nossa casa amor. a nossa casa. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

quero um cacho de bebés para fazer vinho novo

afinal para que serventia eis-te aqui enconstada
como um fascínio meio porco e meio escondido
com cara de quem quer fazer cócegas até que morra
mas que é no fundo no fundo tão doce tão doce (e prolonga o doce).

afinal para que serventia eis-nos aqui assim assim
como um ar sabesqueuseimente entusiasmado
na docidade que é nossa porque nos conhecemos nela
ao pé do sítio onde se lê e come porque há vidéisso para nós.

e vai sempre haver. o que queres ser quando fores grande? quando for grande não quero ser mais nada.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Texto para ler de testa franzida

Todávida acordei feliz. Um pouco comózanimais, eu. Um dia hei de acordar infeliz, um pouco comózómens. Todavia, esta manhã (acordei muito descansada. tinha dormido em paz, com uma almofada fria entre as pernas e bem tapada, quando abri os olhos. acordei à temperatura mais correcta de todas e, assim que vi o dia, pensei logo no que vestir. achei até que tinha de tomar o pequeno almoço fora, fora longe, fora ao sol e que tinha mesmo de ligar a música já, já) esta manhã acordei feliz, como todávida. Todavia, logo me ocorreu adiar essa felicidade que, afinal, não fazia sentido, porque há medos e porque há, sobretudo, OS medos. Os medos de ontem. Então, se já tinha lavado os dentes, se já tinha o cabelo preso para tomar duche, e se até já estava meio despida, assim fiquei. Enquanto assim ficava, ia-me arrependendo muito muito de assim ir ficando, mas não me mexia. Arrependia-me só, arrependia-me tanto... Quando olhei as horas e vi que já estavam à minha espera para almoçar, eu pensei que poderia muito bem ligar-lhes e dizer que tinha estado imensamente mal dos meus humores e ai não sei o que se passou esta manhã, comecei a ficar muito... assim... ansiosa... como se... assim mesmo...pronto. estranha. percebes? já te aconteceu? mas já estou melhor, já estou melhor (com isto ganhava, pelo menos, mais quinze minutos antes de ter de ir tomar banho, talvez exfoliar-me, por creme no corpo, por perfume, vestir uma coisa fresca, pentear o cabelo, encaracolar as pestanas e sair. tudo isto é muito custoso para uma mulher que se sente muito...assim...ansiosa... como se...assim mesmo.... pronto. estranha. mas, ao mesmo tempo, sou uma mulher que acha que no fundo mais vale ficar, assim... bonita....assim... elegante... assim... distante. e assim com aquilo que ela é, enfim... mais ao pé do coração. já que está tão... assim... estranha... triste... ansiosa. e assim, como se o medo todo a colhesse e ninguém pudesse ver o desamparo da minha pessoa, mesmo todo à mostra), mais ai depois parecia que até a minha vizinha chorava, a minha vizinha, a criança, parecia que lhe tinham batido. mas bateram-lhe? não sei. é que era um choro, assim... tão inconformado. como se saísse por entre os buracos... como se não saísse por vencer tudo e explodir. assim... ai fez-me muita impressão.... muita impressão. sabes?... é uma criança tão linda... pois eu já a vi. mas achas que devíamos fazer alguma coisa? não sei... tenho medo que se fizermos depois seja pior. ninguém sabe o que fazem às crianças nesses lares, enfim... nessas coisas para onde as levam. e mesmo as famílias têm um nome tão... tão... assim... de direita. sabes...? tão Estado Novo... tão igrejinha. parece mesmo aquele nome que há numa porta da Encarnação, no Bairro Alto. aquele nome horrível. assim... "Asilo dos Calafates - Terceira casa da sociedade da infância desvalida". entendes? "família de acolhimento" pois, pois, o melhor mesmo é não fazermos nada. eu também acho. bom também já sabes... todos levámos as nossas palmaditas não é? e depois toda a gente sabe que as crianças exageram imenso... imenso. ah sim, as crianças e as suas extravagâncias. parece ironia, mas é bem verdade. é, é... eu sei que é. então não é? A preocupação da cara dela fintava as palavras que dizia e eu ia ficando cada vez mais arrependida (olha, mas já a viste na praia? ai tem daqueles fatos de banho acolchoados! eu acho o máximo. quando eu tiver filhos eu quero ter, para os meus filhos, esses fatos de banho! sim, sim, muito giros. e o sol? olha ontem comprei estes calções novos? foi? foi. e foram caros? não, nem tanto. quer dizer não podia comprar três... tens muita graça. ai, filha, pois temos de nos agarrar a estas coisas. mas olha e como estão as coisas com o João? bem. pois, pois, que bom. mas boas mesmo? sempre vão de férias agora? em princípio, sim, sim. vai vos fazer super bem. acho que sim, estamos a precisar. pois estão. enfim... não era isso que eu queria dizer... lá está... todos os casais precisam... mas mais tu! mais tu, porque trabalhamos tanto, não é? olha, olháli tão giro o cão! olhó cão ali, tão giro! está todo feliz! acordou bem disposto, não é como eu... olha, olha que engraçado!).



sábado, 19 de abril de 2014

onde está a maria do carmo? a maria do carmo foi de férias com as amigas, consegues encontrar a maria do carmo?

num cansaço bom e também tu cansado choroso de alívio e com a cabeça muito leve, o corpo morno e as mãos suadas a apontar a luz do candeeiro olho semi-fechado barba perfeita. nem mais nem menos. aquilo era o que se sabia. aquilo era o depois de nadar muito no mar gelado e ficar deitados na sombra quente à espera de esvaziar e uma brisa que ninguém percebia mas que não dava gosto perceber. embaceia tudo menos os olhos o mar continua na lenga lenga calma de séculos. os outros ganham valor nesta altura e nós perdemos e os outros vão dando e nós ganhamos e os outros também. maria do carmo pergunta ao espelho porque se esforça tanto pela serenidade se depois de estar ali duas horas a trabalhar finalmente isto porque conseguiu e saiu da confusão dos homens todos por quem luta a lutar por ela se estraga o carregador e o trabalho morre num flash rápido absorvido pelo ecrã. chora muito de frustrada que está corre para a cozinha só para bater com o carregador no chão muititantíssimas vezes com os dentes a ver-se. maria do carmo está na cama envergonhada. pés na parede fria tapa os olhos e tem a testa franzida. la ressaca emocional. quem visse maria do carmo em casa aos saltos sempre aos saltos sempre aos saltos e quando ele entra ai e quando pensa na tamanha estupidez do cérebro dele ai e quando as gajas a chateiam e ela ri e salta e diz que são boas gajas para entreter e que a deviam ter chateado antes para o alívio ou seja antes de ele entrar e de se terem chateado mais uma vez como de resto se chateiam sempre. não há nada a fazer sobre esta relação que tantas vezes é assim chamada sem existir. um dia vinha no carro com o meu pai que é uma coisa que me acalma ir no carro com a janela meio aberta ao lado do meu pai a pensar embalada numa força que sugo com amor e carinho enquanto o meu nome me passava pela cabeça e pela cabeça passava eu a gritar o meu nome e passava eu a pensar num senhor que tinha dito à minha avó que o meu nome era o nome mais lindo que há. imaginava o senhor a dizer o nome e a dizer que o nome era o nome mais lindo que há. de repente penso em mim e puff não tinha nome. como já não tinha assunto nenhum para falar com o vasco resolvi propôr-lhe chamar-lhe frederico para experiências literárias. aceitou. perguntou. respondi e aceitou. depois aquilo começou a frustrar-me imenso porque antes de tudo isto havia uma rapariga na primária que não gostava de mim e então dizia sempre o meu nome: entããão veróóniicaa! tás boa?: a resolução que tirei disto foi que dizer o nome era uma coisa de quem tinha sentimentos fortes. ele quase nunca dizia o meu nome nem o nome que inventei e aquilo frustrou-me a confiança e ardi ali. agora és vasco para sempre. isto é agora és coisa nenhuma. mil pensamentos sobre o meu aniversário e penso se vale mesmo a pena o trabalho só porque acho que vou estar muito bonita. provavelmente não. mas quando é que eu terei outra oportunidade de me fingir de bêbeda tão convincentemente para finalmente eu e ele deixarmos de discutir e resolvermos tudo isto que não passa de uma relação com o nome de relação e por isso coisa nenhuma em bruto. outras oportunidades para estar bêbeda não será bem assim. outras oportunidades para estar bêbeda bonita e ter aquele lindo ar de feto que deixa os outros escravos da minha vontade. só para o ano. se isto estiver tão dramático como está hoje para o ano posso bem esquecer. esquecer pensar na hipótese de dúvidar em relação a uma assumpção bem dita. até lá vou vendo filmes e lendo livros com os poros todos abertos a la recolha e inventariação de une bonne proposta irrecusável que não é coisa de mulher fazer declaração de amor. penso nisto e penso que devia militar mais o feminismo. depois penso que quem vai às convenções é o outro triste que pré-vende as coisas como quem pré-vende laranjas à beira-da-estrada comparação justa porque a haver uma laranjeira à beira-da-estrada era ele que é mais laranjeira do que poeta quantas vezes. pai hoje consegui não ter um ataque de pânico. ele passou por mim e sorriu como diz a outra. nisto penso na maria do carmo e se hei de pegar nela ao colo e embalá-la com o meu corpo de gigante e a maria do carmo tão envergonhada e com a cabeça tonta a vibrar. vê-se a cabeça da maria do carmo a vibrar se estivermos longe. depois penso na obsessão que tinha há dias de fazer as coisas desaparecer na escrita como se faz nos filmes. uma coisa assim: ia a joana a andar a andar a andar e as flores ali estavam e a joana a andar a andar a andar a andar a andar a andar a andar a andar a andar a andar e nisto o leitor esquecia-se da joana. depois de mil pastas de escrever compradas com o título ensaios de desaparecimento I, II, III, IV, V e etc. esqueci-me disso até que li Balzac e pensei o gajo faz aparecer e eu talvez não saiba e então como estamos e o queque é melhor. Hoje descobri como fazer desaparecer.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

wolfgang ama deus mozart sinfonia número 25 em dó maior

cadeira ao fundo da estrada molhadá vagabunda de perna aberta e doirada delira assim meio encostada cós dedos cruzados ca boca revirada. tem cinco dentes tem cinco dentes e é velha mais velha ca velha mais velha que tu conheces. passam os carros passam os carros de seguida passam os carros e batem na velha e a velha erguida de perna aberta e doirada delira assim meio encostada cós dedos cruzados ca boca revirada. os cinco dentes da velha vão parecendo seis e quatro mas são cinco. a velha não fala a velha não canta a velha respira e queima respira e queima respira e queima comós carros comás máquinas também a velha pode explodir. comós carros comás máquinas também a velha pode explodir e a velha não se importa comós carros comás máquinas. por baixo da cadeira da velha ao fundo da estrada molhadá amor e bunda desleixada chora de rejeitada e está acamada numa treva demolhada que cheirá bacalhau. tem pestanas falsas e é moribunda e nova mais nova ca moribunda mais nova que conheces. passam os carros passam os carros de seguida passam os carros e batem na nova moribunda com pride cumprida com pestanas falsas amor e bunda desleixada chora de rejeitada e está acamada numa treva demolhada que cheirá bacalhau. as pestanas !falsas! ora estão coladas na testa ora vão parecendo coladas na testa mas elas estão coladas na testa. jovem moribunda não fala jovem moribunda não canta respira e destila respira e destila respira e destila comós vinhos comós mantras também a jovem moribunda pode explodir e a jovem moribunda não se importa comós vinhos comós mantras. no fundo no fundo as flores mais flores são as rosas muitas rosas de várias cores espalhadas pelo mundo que é calmo e circunstancial como uma burra teimosinha e forte teimosinha e forte e forte e forte ca força é o bigode do rochedo que não se dobró vento nem à mchtura. a força essa força essa força só a vi na minha avó essa força que abala tudo e nada vence sem cair essa força desgraçada essa força cabra cega e solta irada enamorada numa primavera mais quente que a coisa mais quente que há. força força força leão lince macho grande grande macho sangue meu meu sangue. amén. podeis comer irmãos. podemos comer.

terça-feira, 15 de abril de 2014

la calma es una cosa de después que se quiere muchísimo en todos los ahoras fuertes

as janelas estão fechadas e a falta de cor é a cor da casa caminhando em cima do mar leve oscila oscila vibrando. as crianças não riem nem choram. as crianças não riem nem choram. as crianças fazem o que vem depois de rir e o que vem depois de chorar ao mesmo tempo ao mesmo tempo (e) sente-se no ar no ar que vai para cima uma cor chamada alívio cinzenta clara uma cor chamada alívio cinzenta clara sai dos narizes das crianças e dos cantos dos olhos e entra-lhes pela boquinha babada e semiaberta numa pausa muito comovente quando suspiraram em colcheias. são duas crianças e um espelho partido. uma das crianças tem um espaço que vai desde o olho ao ouvido e corta-lhe a bochecha. será vidro? não há nenhuma chance não há nenhuma chance e sabe bem não haver chance nenhuma e sabe bem não haver chance. o búzio faz o barulho de lá fora no sítio certo que é em cima da cadeira e deixa as crianças confiarem no frio distante e belo de lá fora confiarem no frio distante e belo de la fora das coisas que se montam das coisas que se montam e que são respostas por estarem montadas. dança dança dança dança dança a bonequinha que gira os flocos de neve azuis claros que caem da bola de vidro grosso e esverdeada olho de pirata mau mas que ninguém conhece. toca toca toca toca a música que também canta e canta assim: u mumentu dji cauma é estárr nu pácífico djipois dji terr pérdjidu á áuma nu précépíciu qui si chamá enórmi gálopi dá luá cáindo dais máguais da sinhora máneu. tátárárá máneu mãe dji sangui. lálá máneu não tem leitxi i embála embála djipois dji quási matárr. tárárátá é ái qui si ama beim. djipois dji quási matárr. por baixo do chão tenho a certeza que existe uma estrela espraiada que aquece sem arrefecer ou ferver que aquece sem arrefecer ou ferver uma cama que não existe mas que é mais cama do que as outras camas mas que é mais cama do que as outras camas porque é cama além e aquém de ser cama. mais cama do que as outras camas porque é cama em todo o lado. estará a criança sozinha? não se sabe mas adivinha-se que não porque alguém a deitou ali alguém pode ter fugido quem foge não deixa: fode: fode fode balão fode vai foder àquela estrela àquela estrela que independentemente de eu fugir de tu fugires de ele fugir de nós fugirmos de vós fugirdes de eles fugirem está ali ali ali ali espraiada e ninguém toca no que se espraia porque não alcança e o corpo não é uma estrela do céu e o corpo é uma estrela do mar esticado porque as estrelas do céu não têm cinco pontas são quanto muito potências de cinco, ninguém sabe de que número são o número das potências das pontas das as estrelas do céu e talvez a única estrela com definição seja a estrela do mar e a estrela que o corpo faz e que na areia vai-vem faz anjinho. o balanço é um mistério das entrelinhas das linhas das mãos do mundo que é forte e ninguém duvida da força do mundo porque toda a gente já viu que enterrar a cabeça no mar mata enterrar a cabeça na terra mata enterrar a cabeça no fogo mata e enterrar a cabeça no céu é morrer.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Miau é mi mais au

Bichinho abre lentamente os teus olhos que têm mais do que uma cor e diz-me numa cor só de que cor são os teus olhos. Depende da luz, respondes-me. Uma cor assim meio volátil e meio transparente e insegura como tu, bichinha. Dá-me graça quando és assim respondão. Miau. Miau? Mi-au. Trampolim das minhas iras assim tão alheio à desgraça do arquear das minhas sobrancelhas meu maldito. Mi-au. Agora vira-te para o outro lado e concentra-te nas madeixas do meu cabelo a escorregar pelas tuas costas depois de prendermos a cama à parede e de te prendermos a ti à cama e diz-me o que tens cá dentro. Mi-au. Tu és tão impulsiva. Cala-te. Não temos tempo para dissertar sobre isso, estamos a fazer uma experiência e sou eu que mando. Mi-au. Pssssspssssspsssss. Bichinha estás a arrepiar o bichinho. Bichinho concentre-se nas expectativas. Quantos planetas tem o sistema solar. Um: tu. Um tu é uma cacofonia bichinho. Três tus. Outra. Uma brilhante tu. Tetu? Uma sonora tu. Por amor de Deus, bichinho, como podes deixar-me tão insatisfeita? Tu estás à espera que eu adivinhe a merda que tu tens na cabeça. Bichinho abre lentamente a boca que já tem dentes do siso e diz-me de cor quantos dentes tens. Depende do distúrbio mental. Um distúrbio mental assim como o teu bichinha responderia que te tenho a ti na boca. Que no quepo cariño. Achas-te demasiado boa bichinha. Morremos porque estávamos a dizer o mesmo e bichinho era surdo à voz de bichinho e ouvia demasiado bem a voz de bichina. Mi-au. E bichinho caiu.

domingo, 13 de abril de 2014

carta astral do trauma injustificada por tanto ser descritiva (deve ler-se muito devagar frase por frase em compasso quaternário para suspense e previsibilidade casamentos dois do trauma pois que é universal e nunca foi planetariado como se sabe   em relação à leitura dos parênteses pede-se ao admirável leitor apenas um pouco de senso óptimo)

o trauma
tem o sol
num buraco lunar
        (em que é de noite quaise sempre)
o trauma
tem a lua
ensimesmada
o trauma
tem mercúrio
nos quarenta
       (que é dizer com sarampo)
o trauma
tem venas
salientes nas pernas
               (venas tipo varizes)
o trauma
tem terra
ao vento e no triângulo das bermudas
o trauma
tem mártires
muitos
o trauma
tem de Júpiter
só o filho anão e mesmo assim mal lhe cabe no coração
                                                                            (que é onde o tem o trauma)
o trauma
tem soturno
solteiro
(e bom rapaz)
o trauma
tem urano
no chão
(com respeito devido às potências de cinco)
o trauma
tem neptuno
ali
o trauma
continua a ter
plutão
o trauma
sabe do avião
         (da malásia)
mas o trauma
não sabe
falar

Excelentíssima professora Aniki Bobó, assim dita e chamada por honras ao grande Manoel de Oliveira e em honra do surgimento de uma zona ribeirinha onírica sem signos e coisificados sexuaes na cidade do Porto e também porque a arte agora é pastiche, o trauma pede-lhe previsões e descrições sigilosas, daí as glosas e os perlimpimpins - harshtag ou duríssima identificação - ditados populares e frases feitas. A música é a única coisa em que ele me respeita, mesmo ca chica e respectivos humores. Também porque a música é uma coisa discreta, ainda mais a clássica que é doutrora. Ele nunca me mostra que abre a boca comigo e isto é o sumo de tudo. Seja para me por nomes, que não se põem a raparigas da minha beleza e com as minhas pernas, olhos atrevidos e rabiosque, seja para bocejar de me ouvir, para rir ou para interjeccionar sobre mim. Por isso o homem só em estado pos mortis adivinhado é que ia gostar dos meus poemas que ademais são anacrónicos e jovens e bons demais para pessoas inteligentes e para ele inteligente também que como os outros só é capaz de apreciar as coisas de outrora e que já têm etiqueta de qualidade e estrelas na descrição. Quando tell me cuando, cuando, cuando, a minha mãe me disse que eu tinha um sopro no coração já eu tinha tido a pior nota da turma a educação física e é por isso só que a minha mãe não há de herdar nem um tusto meu. Conheci-o num dos terrenos dos fortes, onde não há amigos. Já sabia disto e do sopro no coração mas nem isso me demoveu. Desabafei, desabafei, desabafei com ele até perder a graça. Depois esperneei por ter desabafado e ele correu da minha beira. Agora só às quartas filha, agora só às quartas. Resolvi dar-lhe uma seca dum mês a ver se se pica. Não se há de picar. Bom, o que me safa é que ele acha que também sou passadinha (e enfim) por causa da arte. Juntando a isto o facto de eu não ser nem comá chafariz, nem comá palácio da pena, nomes comuns demais para um romance, eu posso sentir-me calma e serena. Ao menos não sou comá chafariz que lhe diz que o ouve e respeita por causa da experiência. Ao menos (mais ou menos) quer dizer... Gostava de ser a chafariz quando ele me fala da palácio da pena. Só assim lhe dizia que ela é uma coisa muitíssimo equestre e que eu não tenho culpa de ter reparado nisso e talvez assim ele respeitasse a minha opinião sem usar o argumento da nacionalidade (terris, sanguis, casamentus). Não sou a pena, nem o chafariz, porque sou uma colina sensível. Ao menos serviu-me tudo isto para ter ideias geniais avec la rejeccion para petite conaça em oito capítulos. Prova A da arguida ser passadinha (enfim) por causa da arte. Como sabes, eu respeito muito ir à pena e ir ao chafariz, ainda mais porque tenho cartão estudante. Agora quando fores diz-me. A sério, peço-te que não leves a mal. Palavra de honra. Valha-me a pilinha do menino Jesus que é benta e pesa duzentas e cinquenta que é como quem diz duas cartas e meia e vinte mil beijinhos. Gosto quando cruzas as pernas e se veem as meias e não me importo quando a barba te faz parecer menos revolucionário, isto é, quando a cortas. Ai ainda bem que estão as pazes feitas. O trauma tem um buraco ou será um buraco? Talvez o trauma dê buraco. Fechemos os olhos e fechemos os dedos dos pés com força até ficarem quentes. Ahhh! Depois ao mesmo tempo abrimos os olhos e os dedos dos pé. Isto, Dona, é tocar no trauma. Mas agora fotografie isto como sendo no corpo todo em forma de arrepios ácidos e muito profundos que são cobras e lagartos (o interior) com caudas em forma de chicote. Pá, pá, pá. Mas ficamos calados e prevemos o trauma porque o trauma é uma previsão sempre, sempre, sempre, sempre eminente. 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

posso-te quero-te mando-te

és muito bonita. és linda. tudo em ti está certo. tudo em ti tem a forma e o tamanho bom. em cada canto do teu corpo posso aceitar desfazer-me de tudo aquilo em que acredito. festas no rosto dela quente. assim deitada. com a pele e o cabelo estrelas morenas. as mãos no rosto dele a sentir curiosa a barba. sorri. estou tão sereno só por causa disto meu amor. de onde vem esse brilho todo tão suficiente para cobrir a noite mais fria. é um brilho bom esse teu. e é a beleza amor. és tão linda. olhar para ti alarga a alma ao tamanho justo. olhar para ti ensina a viver. queres falar? não. levantas me. tocas o pescoço e o meio das costas e eu saio de estar assim deitada. com a pele e o cabelo estrelas morenas. as mãos no rosto dele a sentir curiosa a barba. abraço-me a ti. para onde queres ir? escolhe tu. e ele devolve-me à cama assim deitada. à mostra. à mercê do entusiasmo das almas que alargam ao tamanho justo e que ensinam a viver. continuas com o mesmo brilho. nunca vai mudar. és tão bonita.

domingo, 6 de abril de 2014

afasia

quanto será espalhado o muito faminto das minhas mãos
que dor sufocar por ser tão meu mole maciço maior
quanta força terá a consciência magnética da posse
a côr do medo tendo mais brilho que o tamanho
quanta fome me separa da pele elástica de merecer
as coisas pequeninas as coisas gigantes melhoradas ao esplendor
quanta ânsia me falta para ficar com um buraco no pescoço e sem boca acima do queixo
as circunstâncias futuras arranjadas em forma de abanico mas tão longe
que parte de mim é o fôlego quando desejo um lanche de infinito
vejo as linhas das minhas mãos espalhadas a unir as constelações de nomes bonitos
quanto sangue quanto sal é preciso para alimentar o norte que não me quer
os sabores dos meus sangues todos na vertingem dos caudais lá da serra
qual mar, qual terra enfraquecida, que céu nervoso é que anda doido para me beijar?   

sábado, 5 de abril de 2014

histórias verdadeiras

amor. diz. vem a minha casa. quero que me contes uma história verdadeira. está bem. cabelo disposto como raios de sol e os lençóis da cor do corpo. cabelo azul. a história verdadeira é que és a praia. mas uma praia diferente em que a areia é maior do que o mar. não é uma praia diferente. como não é uma praia diferente? vai buscar o peixe à cozinha. vou buscar o peixe para a cama? vais buscar o peixe para a cama. para a cama cama? para a cama minha barriga nua. porque é da cor da cama? porque é a cama. vou buscar o peixe. o chão de madeira era ainda a areia e depois é como uma mina de pedras preciosas, as bancadas multicolor. o peixe. agarrar no peixe e gritar COM PRATO? sem prato. ver os pés e ver o peixe. os passos lembram voar e nadar e ali está ela, o meu amor. porque não trouxeste um garfo? mas o que é que tu vais fazer ao peixe? nada de mal. não te estou a pedir uma coisa que a gente não use com peixe como uma garrafa. vou buscar o garfo. o que tem os dentes maiores. ia pensando se os garfos dela seriam baços ou brilhantes. quando abri a gaveta vi que os garfos dela eram brilhantes. o peixe já tinha sido pousado na barriga dela por cima do umbigo na diagonal da esquerda para a direita como se leria se estivessemos meio tortos. agora vais tirar o olho ao peixe com o garfo. e eu tiro o olho ao peixe com o garfo. agora deixas o olho cair-me no umbigo e pões o queixo no meu ventre e só olhas para o peixe e para o umbigo. eu é que te vou contar a história real. tu sempre tens de mandar em tudo. eu dou-te o dinheiro do táxi. eu não quero o dinheiro do táxi. queres magoar-me então. não. promete. prometo. sabes que as histórias são importantes para mim. e se me amas têm de ser importantes para ti. pois têm. têm. então faz isso para selar. o ventre dela era uma coisa muito forte, como o corpo dela. uma coisa que mesmo que não fosse magra era dura. conta. vá. não vou ficar a olhar para um peixe contigo a delirar. vou começar com uma pergunta. tu ficas calado porque nas histórias não há interacção. sim. sim mesmo? SIM. achas que as coisas têm um começo? AS COISAS. eu não falei em circunstâncias. eu vou começar de novo. vá. achas que as coisas têm um começo? se achas tens de achar que o peixe é maior do que o olho do peixe. na verdade o peixe e o olho do peixe são do mesmo tamanho. porque há no olho do peixe o peixe. e no peixe há olho. no peixe está olho. no olho está peixe. é esta a única coisa que explica o infinito amor. as coisas serem todas do mesmo tamanho. o universo está no meu corpo. porque o meu corpo está no universo. o estar é uma coisa essencial para o tudo. se as pessoas observassem como são não tinham escrito a bíblia. porque as pessoas nascem umas dentro das outras e não umas a seguir às outras. as pessoas são as pessoas. as pessoas estão nas pessoas. o universo é igual. não existe. é o nome que se dá ao dentro. é por isso que quando queres estar na natureza tens de pô-la dentro. tens de olhá-la. o olhar é uma espécie de chupar. tens de comer vegetais e carne. tens de os pôr cá dentro. é como tu. é por isso que a mãe natureza é mãe e não pai. foste estragar tudo. porque o ambiente estava pesado amor. estavas de boca aberta e eu já não tinha assim muita inspiração. já estás com mais sono. agora ri-me. vai fazer um gin e conta-me o teu dia. isso é uma visão catastrófica da minha vida. estás a insinuar que não me vou rir a contar o meu dia. estou a insinuar que és uma mulher que tem de estar bêbeda para descansar. amo-te.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Mito do Comum (orado)

A dificuldade de tudo isto são as decisões com alma que temos com força. As decisões com alma no cadáver esquisito que é a nossa vida. As decisões com força porque nascer é menos que isso.

A verdade de tudo isto é que a nossa vida nada tem colectiva. A nossa vida não pode ser um cadávere esquisito. Longinquamente, no formato original, cada um de nós vai preenchendo com alma e força cadáveres esquisitos. 

A nossa vida é um diálogo órfão sem noção do quanto dói não nos cumprirmos mamíferos em todas as idades. 

Nem a ilusão de que construímos o outro pode ser certa. Tem só um certo grau de justiça. E até essa é um cadáver esquisito que preenchemos com a nossa alma e a nossa força. 

A nossa alma, que é tão igual à do outro, mas que nunca lhe toca. 

A nossa força, que é tão igual à do outro, mas que não o puxa.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

coração bucal


a pessoa sou eu. não tu. no teu mundo eu pertenço aos pretos ou aos brancos? só posso pertencer aos pretos já que tu achas que eu não sou a pessoa. deixa estar que se eu não for tu também não és. fica sabendo que esse branco que tu admiras na branca só tem na verdade como símbolo único o branco. e o branco é como toda a gente sabe a extensão padronal do nada. o branco é o nada deitado e levantado muitas vezes e muito colado de cada vez que se levanta e que se deita. portanto mesmo que tu me aches preta eu não me importo. agora se fosse eu a achar-me preta já era diferente. mas não é porque o branco pode significar outra coisa. ficas a saber que a mim não me afecta o outro significado do branco porque sou séria E CREIO EM DEUS ÚNICO e se há coisa que me governa é isso. só era diferente porque como de cada vez que vou falar contigo mesmo sem me puxares eu digo e digo e digo como um ser quase morto que só pode esperar da vida aquele momento. E DIZÊ-LO todo como se a linguística fosse o espelho do tempo que vai passando. É LÓGICO que tu saberias que eu me achava preta e assim pensávamos os dois que eu era preta e não tu sozinho. podias tu ter pena de mim em relação a eu ser preta e assim sou eu a ter pena de ti e a pô-lo por escrito mostrando-te que não percebes que ser preto é muito melhor e que eu sou a pessoa por relação semântica suja a tua branca que nem passadeira e quem põe o preto no branco sou eu e que posso pô-lo e dispô-lo sem ti mais a merda da branca. agora se não me amas isso já é outra questão.

terça-feira, 18 de março de 2014

beber água contigo


carinho suspirava saudade


devagar,

no pescoço requebrado

em oco, em nuvem, em traço

aberto,



estes lábios escondiam

em fios, em caracóis, em ondas

saudade prostrada


no peito azul

de crosta, de céu, de destino 

estas mãos evanesciam


em ar feito para agarrar

ofertas essas mãos permaneciam

abanando a cabeça


nunca mo peças.

sempre to negarei


carinho

suspirava mais devagar


mais de-va-gar

morria afónico

como se morre bem.


sábado, 8 de fevereiro de 2014

Esquecem-se que primeiro foi o verbo; não o acto!


A primeira fenda mãe
Rasgo pai
Furo deus
Do buraco que me divide
Desapareceu.

Agora eu rezo
Para que não tenha fim...
Pelo redondo das coisas;
Religião que vou praticando;
Nos intervalos de me ver. 

Conto isto a toda a gente
Conto isto de várias maneiras

Para que me distorçam muitos
Longe do meu centro.
Para que eu não deixe nunca de gravitar
Para que o espaço vá crescendo para mim.

Para que eu passeie eternamente 
Imune à eventual vontade de resolver
O que só se poderia curar
Se fosse privado.
Eu não sou privada.

Publicar a sério é baralhar
Todos e cada um para um fim
Impronunciável sem refutação:

"Agir contrariamente ao cálculo
Que quem publica sente
(Átomo de imaginação suícida,
presente do criador que só o cheira)
É estar doente do encaixe."

Basta ganhar-lhe a pele, portanto.
Apaixona-te por talha tua
E conta o vazio ao Mundo
Tendo a absoluta certeza
Que a estética te separa dele.

Tem a absoluta certeza
Que tendes Deus como bis
(De quem herdastes a infinitude)
Que tendes Cristo como avô
(De quem herdastes a teima)
Que tendes o rebanho como filho
(A quem tens de te contar profeta).

Ninguém ilegitima
O filho da beleza.

A vida é breve;

As linhas mudas não dão certeza
Dá a voz de quem as veste.

Ajoelharam-se calados.

Há que amar a beleza disto
Semeá-la nas plantas dos pés
Dogmatizar o seu crescimento e
Ir levitando...














sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Amor como nos comboios

Soubesses tu os sonhos que tenho contigo
E fecharias os olhos para sonhar também...

Sonharias tu sonhos não meus.
Mas sonharias, certamente, sonhos que seriam bons para mim
Pois que a impulsão assim, limpa e cega, que os guiasse
Seria nossa; e tu valorizarias, com um sorriso calmo,
Aquelas que em mim reconheces, quase sem expressão,
Tão virgens, para sempre, só qualidades: criatividade; inteligência...
Como dons que se admiram (de longe, longe) e não se podem amar nunca.

E assim, meu querido, amar-te-ia eu em sossego,
Sentado, com a boca fechada, com os punhos cerrados,
Com o teu olhar tão longe para dentro desse Mundo que não me dás,
Com toda a força do teu ser pousada nesse sítio de que seria meia-maestra,
Patrona, criada, aia, ama, rainha e amiga-eterna só
Mais as cores que pintariam os objectos que te animariam as viagens e as festas
E tu sem lhes ligares, meu querido...

Bastar-me-ia, meu querido! Compraria novos vestidos, cintados, rodados, bonitos
E dançaria para ti, rindo muito, para que as outras meninas dos teus sonhos andassem vestidas
Podendo tu ter, à mesma, esse fascínio e toda a paixão que me é querida haver em ti.
Rirme-ia alto, para lhes dar voz e graça, voz e graça a todas aquelas que te elevassem
E que tal como não me ligas tu, não te ligam elas, meu querido,
Sei que precisas da minha voz para conversar...

Meu querido, olha como é maravilhosa a imagem do amor que não se funde
E faz fila, todos de cara para as costas dos outros, em direcção à verdade
Negra e resignada tão veloz e a tão pouca terra andando...




quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Morada do vazio mais branco que comove a brancura da luz das estrelas

O vazio que se sente,
Quando assim se chora
Abre-se;

O aberto
Desmonta-se.

Cada vazio desmontado
Volta a abrir-se

Corre a agigantar-se
Um de cada vez e à pressa

Assim quando se chora
(Espelho)
Por nada;

Mas por nós.


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

História

Estar no meio de alguma coisa.
(Disse Deus quando nos criou)
É o que sentirás sempre
Esquecendo o fundo que te habita.
Sentindo tudo
Como se fosses tu toda a espécie sozinha.
O nome que te dás e o nome que dás aos teus
Esquecendo o fundo que vos habita
E o nome que te dás e dás ao que além de ti resta.
Por olhares, cheirares, tocares e saboreares esse resto.

Sentindo-te a ti,
Homem,

Tal qual tudo sentes: sem fundo.
O real como consistência
O sítio como descrição.
Os corpos do ar, da água e do chão.

Sentindo isto,
Homem,

 Verás livre o aroma das vontades
 Que me enchiam o tacto e a respiração
Quando te esculpi
  Já apaixonado.

Dizendo isto, 
Deus

Olhou todo o Universo.
Respirou o ar mais alto
E pisou a terra mais escura.

Imagina,
Homem,

Que sou eu o fundo que há em ti.

Quando pensas no teu fundo,
Homem,

Onde me sentes tu?

Sinto-te,
Deus,
no meio do tórax.

Estar no meio de alguma coisa
(Disse Deus quando criou o Homem)
É o que sentirei sempre
Lembrando-me daquilo que de nervos matei
Renunciando o todo.
Não podendo ser Eu uno e vida sozinho
Recusei-me a amar o fundo do meu nome.
Chamar-me era ir caíndo
Eu não era mais capaz de me sentir nome ou fundo.
Apequenei-me, então, até ser som simples e só, com sossego por reino.
E o nome que me dei morreu ou deixei de o ter sempre na boca.
Por olhares, cheirares, tocares e saboreares com que sonhava a cores.

Senti-me a mim,
Homem,

E tive de castigar-nos,
Homem,

Por passar a ser só princípio.

Eu desaparecia,
Homem,

Ou dividia-me nos que teus e meus
Prenuncio o negro que há no silêncio a meio
Sentido, o fundo de ti que não conheces.
E é por isso que o fim dos outros
Te toca no meio.
E por isso sobrevives aos fins
Dos que te rodeiam.

Porque eu estou no meio de todas as coisas e toráxes: ritmo.
  Resto do fim de uns e resto da continuação de outros.
Mas nunca o resto de todos da mesma maneira.
Eu sou o resto de mim que é descrente do fim.

Vai à praia e quererás o horizonte ou fundo do Mar.
Vai ao campo e quererás a essência das flores e o hectar.
Vai à cidade e quererás o infinito quantum habitante do meio do teu cérebro.
Vai à Igreja e querer-me-ás a mim.

Tu és o redor,
Homem.

Comigo no centro.

Sentir-te é o meio das coisas.
Sentir-me é o meio de ti.

Eu sou só a ameaça grandiosa
de um fim sem fim.

Para ti e para mim.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A Apanha d´Ámora


Aprender a amar, uma, de qualquer das coisas:
É saber viver-se da triste e ansiosa condição
Que é esperá-la: numa, que se cultiva,
Quieta e enérgica mente; dançante
E adolescente; em nervosa persona bonita
Agarrada e estendida num corrimão.

Aprender a amar, uma, de qualquer das coisas
É saber ter-se uma triste e ansiosa condição
Que é esperá-la: numa, que se cultiva,
Quieta e enérgica mente; dançante
E adolescente; em nervosa persona bonita
desagarrada e erguida a dar-lhe a mão.

Aprender a amar, uma, de qualquer das coisas
É saber esticar o carácter a duas tristes e ansiosas condições
Que são esperá-la: numa, que se cultiva,
Quieta e enérgica mente; dançante
E adolescente, em nervosa persona bonita
E sonhante de que a gravidade é universal da física;
Constante sincera, também, da imaginação; desagarrada e erguida
Agarrada e estendida quando doa, num beijo, a protecção.