segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

pede-se ao homem
que desta cadeira
viu aquele lugar
que fica tão perto dos sentimentos
que a gente quase sente que sente
que se levante
e diga em voz alta o seu nome

não era nada de extraordinário
mas uma pessoa punha-se a pensar
e até parecia que sentia
uma ressurreição debaixo dos pés

o senhor no sofá dizia
que compreendia a evidência
e o resto das pessoas não dizia nada

sem saber que todos percebiam identicamente
com relação maior ou menor com as palavras
alguém na audiência se achava original
num particular dizer silencioso
da noção clara
que é deixar de contar
quando o número é grande

é muito toda a gente que aqui está
disse depois de dizer o nome

toda a gente quase se sentiu muito
e cruzaram-se alguns olhares
de uma forma
que nada tinha de aleatório
mas era isso que quase se sentia.




 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Naquela tarde lenta em que me pediste para saltar, porque já não tinha como descer. 

Tu estavas lá em baixo, no mar. Eu sabia que não tinha como cair em cima de ti. Ninguém sabe nunca como se cai no mar. Os homens estavam a olhar para mim e, como sou mulher, não era cobarde que me chamavam. Não precisavam de me chamar. Apontavam, riam e secretamente partilhavam connosco que eu era só uma impressão de futuro para aquela hora.
As rochas do nosso país partem-se e são ainda mais amarelas quando estamos com os pés molhados.
Não me deste garantias de que cairia no sítio onde o mar guarda a gigantesca cama e eu sabia que não tinha como cair em cima de ti. Não me disseste nada. Fazias-me só um gesto com as mãos. Mas fazias como quem diz prometer que eu ia cair bem. E que mesmo que não estivesses ali, estarias perto.
Era alto e eu não soube cair. Ninguém sabe cair no mar. Quando tive forças, flutuei porque não respirava. Não me deixei afundar porque te achei culpado. É bom que saibas que os pulmões mandam muito mais que amor. Quem te disser o contrário mente.
Quando respirei fundo o suficiente para tossir, tossi e gritei muito alto contigo. Toda a gente ficou envergonhada por ti e os homens atrás de nós apontavam mais e mais. Nada disto me impediu de nadar até às escadas que a pessoas sempre fazem em precipícios como aquele. Não voltei a subir mais do que devia, nem olhei mais para o sítio onde estavas e de onde, até hoje, não sei se te mexeste. Fui-me embora. E tu ficaste, no mar, desapontado comigo.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Ema detestava a solidão absoluta com que contava os sonhos bons de manhã.


Ema detestava a solidão absoluta com que contava os sonhos bons de manhã. Os sentidos iam todos para dentro do cérebro. Convencia-se de que estava a mentir. Às vezes acrescentava isso, "parece que minto e devo estar a mentir mesmo", mas sempre com uma entoação crescente e meio embaraçada que descia para um qualquer facto espantoso que servia de vírgula à parte de que mais gostava. O que mais lhe custava era um desejo imenso de estar sozinha. Um sentido trágico que a fazia arrastar-se para os cafés, pedir uma água tónica e ficar duas horas a perceber a impossibilidade de a beber toda; o gelo sempre derrete mais que a expectativa. Os homens olhavam muito para ela. Ela olhava também muito para eles. Muito mais do que aquilo que seria aceitável e nisto às vezes pensava que até podia ser uma retribuição e não um ímpeto, o olhar deles. Ficava muito preocupada com a forma como a olhavam e tentava agradar. De certa forma interagia com o espaço, para os ver de um sítio mais alto, mais seguro. Era uma maneira de agradecer esses olhos na sua direcção, uma maneira de os servir como nos serve a hora do café mais o entardecer que a cobre. Via-se como uma anfitriã do mundo, mas mais frágil do que isso que a expressão sugere, com muito menos idade e sobretudo sem que a casa fosse sua. Era por isso que sempre que pensava num homem para ela, queria um homem capaz de a saborear como se de café se tratasse, de vinho, quando pintava os lábios, de um desenho, quando se despia e alinhava os cabelos com as sombras dos quartos. Tinha a estranha sensação de que a melhor posição do mundo era ser um relógio de pulso, um relógio caro, num pulso de um homem que se orgulhasse de que o vissem, mas que não o mostrasse. Quase todos os sonhos que tinha, resumiam saudades de ocupar uma posição sincera e vulnerável, em que até o brilho da pele comovesse o toque no rosto para desviar os cabelos. E nunca ter nome, porque isso não serve para nada. Ser só bonita demais. Ninguém precisaria de a chamar. Viriam ter com ela, todas as noites. E ela ficaria calada de manhã; os sentidos ficavam a seus pés; as mentiras iam com eles, nos olhos.

domingo, 26 de abril de 2015

Auto de voz

O sítio de onde falamos é sempre o mesmo. Pronto no fim e lento até ao fim. Chegar, sendo um entusiasmo de verdade, não dura mais que o confronto. Dentro do confronto, forma casulo e voa. Às vezes mais distante, às vezes mais perto. Nunca aqui, mas sempre ali. Muito nosso à sua maneira de se deixar ser de alguém. Sempre todo feito, embora o executássemos melhor noutros dias se na nossa garganta morasse mais do que uma vez. A compreensão é uma maneira lenta de se ser inteiro, de se estar casado por amor. E era ficar dentro dela para sempre. Compreender intimamente tudo. A gente deitava-se toda numa teoria que a confrontasse, que a fizesse sentir verdade e, finalmente, que a deixasse cair no seu mais redondo e lento epicentro, como se as coisas, de repente, fossem todas - no traço - elegantes mães umas das outras, mães de umas e de outras gentes - no fundo que há para colorir. E a coisa mais bonita da vida era a mais evidente lentidão de se ir caindo para a vala comum do pensamento pronto e lento a cores quentes, com suavidade de lápis de cor. O fim do lápis posto na almofada que há entre o indicador e o polegar e o pulso progredindo, com movimentos prontos e lentos de preenchimento claro e claro.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Casa: equação feliz para o esgotamento da saudade

quando vi que era assim estendido que o sorriso ia morando, corri a dizer ao ouvido da minha paciência que eu e ela nos íamos separar. devagar, comecei a sentir que as cores escapavam às leis da  física e que a vida era um xarope para tomar de manhã. de repente, mas com pouca surpresa, não fosse a surpresa inquietar as sensibilidades ainda desenhadas na aguarela da noite, um laivo de cor de laranja dizia haver receita para todos os sóis e jurava que era todos os dias a mesma só para não nos preocuparmos com ela. ela, que todos os dias nascia no lugar da primeira impressão de amanhecermos numa colherada curva, invadia o universo inteiro inteiramente cheia de si. pela fresca surgia tão doce e a tal ponto de caramelização que pedir licença se tornaria má criação e as carpetes de todas as casas deixariam de fazer sentido todas ao mesmo tempo e em sinal de protesto. todos os dias numa colher que dava a impressão ter cor de duas framboesas muito coladas ia a colocar por detrás dos olhos da gente toda e qualquer faísca permanente, enquanto pólens nos faziam festas nos pêlos dos lóbulos das orelhas e as pestanas faziam o que é de si: pestanejar deitadas em cima dos olhos. o agradável disse-me então que a distância dos molares aos caninos era agora precisamente maior do que uma órbita inteira mais meia órbita dessa órbita ao quadrado e eu percebi que eram precisas setecentas e dez américas mais vinte e sete trutas para eu me sentir longe de ti. sentei-me depois para trás e não procurei confirmar.

terça-feira, 24 de março de 2015

todos os pais abandonam os filhos, o meu pai é pai, logo o meu pai abandonou-me

espaços de tempo sonoro. é esta a forma do acesso a qualquer coisa que seja do nosso domínio enquanto espécie. sem esta fórmula, toda e qualquer noção, mesmo que exista, é inenarrável. como se as palavras se conhecessem umas às outras e a elas próprias... quem as conhece tem saber onde estão os seus espaços de tempo vazio, reconhecê-los sonoramente e construir-lhes casas. isto é, tem de estar aberta a porta da explicação. como se nós nos conhecêssemos e conhecêssemos os outros... quem nos conhece tem de saber onde estão os nossos espaços de tempo vazio. essa noção é o espaço entre os espécimes. os espécimes não o reconhecem sonoramente e por isso não o conhecem de todo. como nós, todo o espaço de som tem só uma impressão da sua unidade. irrelevantemente, a capacidade que nos estende, construir espaços de tempo sonoro, é a capacidade que nos limita. e há de nos limitar porquê, se nem sabemos haver forma de som para o espaço de tempo que corresponda a essa limitação. a vida principia identificando unidades discretas. antes da impressão da unidade há uma impressão vaga de tudo o resto. e isto necessariamente. a voz da mãe, a voz do pai, a impressão da cama, do sol, da lua, da noite e do dia. quando alguma coisa dessa nos toca é porque já temos uma ideia vaga de unidade. aí concebemos a existência de relações. e isto necessariamente. espaços de tempo sonoro para todos os espaços de tempo narráveis e tudo está certo. a criação do interlocutor corrobora a impressão da unidade. quando um filho diz que aquele é o seu pai, há qualquer coisa na forma da fórmula de espaço de tempo sonoro que os separou. se isto fascina o cérebro, há que a ter noção de que o fascínio, o pensamento, os sonhos, as coisas, como as relações, servem para intensificar a nossa ideia de unidade. se isto nos fascina, então estamos de frente e peito aberto para uma porta fechada. uma porta inenarrável. uma porta de incompreensão que necessariamente se depreende no limite da compreensão. estamos de frente e peito aberto para a nossa orfandade. necessariamente todos os pais abandonam os filhos. a admitir outra coisa que não esta, há que admitir que podemos construir casas para os espaços de tempo que não reconhecemos sonoramente. todos os pais abandonam os filhos. 


sexta-feira, 13 de março de 2015

Começa a medir-se a partir daqui

Começa a medir-se a partir daqui. A ambição é sempre sair para muito longe, para onde os satélites são coisas reais com etiquetas de real: perímetro, área e vazio à volta. É esta, ou instância desta, a razão geométrica da linha. O raciocínio da existência das formas é uma função da sua delimitação. A ambição é sempre sair para muito longe, para onde se vê a delimitação de tudo. Isto é uma coisa que toda a gente sabe. Ver as criaturas mais distantes até ter a certeza absoluta de que não são criaturas, mas uma espécie de espontaneidade circunscrita a e circunstanciada por uma linha que é daqueles todos que são capazes de a seguir sem pensar muito. Em cima das paredes: a tinta e um obstáculo de vazio pertinente até mim, que sou, quase unanimemente, das formas e não desse vazio que me torna visível. Além disto só posso acrescentar a delícia demorada que seria se assim não fosse.  Um poder espontâneo para esticar o corpo indefinidamente, além do visível. Ir a matar o vazio. Acordar com  sensação de ter uma vontade muito acesa e pouco pensada de ser o próprio obstáculo que é o vazio pertinente e ficar assim o dia todo. Ser uma área sem perímetro que vai de mim até mim. Até mim, claro. A ambição é sempre sair para muito longe. De resto, eu; com coisas reais e visíveis pelo meio. Achar que se é: maneira lógica, ou instância dessa maneira lógica maior, de acreditar nalguma coisa que não se seja capaz de seguir sem pensar muito.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

de um agitador para trás

eram as curvas agitadas das esferas do universo dispostas em cima da mesa de papel. transparentes que eram, ninguém as via. passou perto delas um senhor meio parado de rosto, mas com uma boca acastanhada e doce que nunca dizia nada. eu perguntei-lhe se as tinha visto. ele sorriu só que não, como eu já sabia antes de ter composto a voz e cachecol. era conhecidamente pouco misterioso para mim o que fazia da transparência um silêncio daqueles que não existem por fazerem parte do entendimento que há entre as vozes e os ouvidos. mas mesmo assim eu insistia em ficar atrás da mesa de papel esgotando a palma das mãos como quem mostra de graça uma placa que diz bem-vindo ou tenha a bondade e a amabilidade de olhar com carinho para o sinal de aproximam-se rotundas sentindo-se sós, precisando de si que aqui pus. houve um dia que senti nos ossos um estranho frio indefeso que me dava a cadência de uma bailarina muito talentosa mas que tinha sido despedida e eu, comecei a acarinhar um erguer de queixo irreversível sem números decimais nem dúvidas. constantemente paravam junto da mesa de papel demónios vestidos de pessoa que cheiravam a doença física das mãos e a desespero da boca. o melhor que existia delas, repousava nos meus ombros junto da caspa que ficava dos abraços e o pior cerrava-o em punhos repentinos e curtos que construía quando me sabia alistada num exército cuja luta desconhecia. tinha medo. mas não mais que força e julgamento por dizer.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Casa: parte primeira - último volume (duvidar do ideal)

As paredes tinham fogos de artifício para celebrar a tua chegada
e era tão precoce querer levar o mundo a ver-me contigo quando chegasses
que eu reuni nos bolsos do avental das cozinheiras sete punhados de carpideiras
não fosse eu chorar
se não viesses à nossa festa.

seria uma coisa íntima.
uma coisa muito nossa e eu não teria mais daquele whiskey oferecido que derramaste desde o meu peito ao meu ventre quando me emprestei a ti.

juro-te que não te juro mais nada sem ser deitar tudo o que não é da nossa pequena festa para fora do mundo.

eles que se entretenham sem nós; os nossos demónios que se ardam sozinhos. juro-te também que preparo o meu coração com arames desenhados a lápis de cor para que te encante tanto abraçar-me como te seja natural deixar-me porque às vezes tu tens de ir embora. eu sei. peço desculpa por esta da mentira das juras mas tenho muitas juras para deitar por e sobre ti. tu sabes que é assim.

um dia contaram-me que jurar era olhar circularmente a alma não para a prender mas para a guardar numa caixinha, como aquelas caixinhas onde se guardam os compromissos. os anéis. talvez tu, talvez tu um dia possas comprar-me um anel. um anel bem bonito que seja nosso. um símbolo. os símbolos vencem a distância; a física toda não pode nada contra os símbolos.

espero que esses comprimidos que tomas para te livrares da coceira nos olhos quando ouves aquelas músicas não te causem habituação. não quero sentir o teu rosto frio quando chegares. nem eu, nem as tuas lágrimas de saudade merecemos esses teus pontos finais. tanto mais preferíamos a irritação dantes quando julgávamos que tu só conhecias as reticências.

enganar uma mulher decidida é de uma vileza tremenda,
fica uma mulher decididamente enganada.

há vinte e um minutos vi-te numa tela iluminada e os meus joelhos cruzaram os arrepios que deles vinham com os arrepios que vinham do meu coração e fiquei muito perturbada. não sei portanto que andaimes invisíveis terei de montar para que me vejas de pé quando chegares. talvez os camareiros me ajudem. ou talvez possa arranjar umas criadas loirinhas para vigiarem o meu equilíbrio.

ainda que tenha esse receio, tomei nota na aula de fonética para comprar um perfume unanimemente misterioso a combinar com as rosas que o vinho me proporciona sem destoar do gigante robe de seda com cauda vermelho e preto que não te vai parecer gigante ou bicolor. parecer-te-á ondulante como um mar de aromas que acontece serem satélites da minha pele. um bom astronauta é necessariamente como um bom filho. regressa a casa.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Faça-o por mim. Faça-o por si.

As coisas que valem a pena têm um nome santo. E ter um nome santo não é só ter um nome santo. Há quem tenha o primeiro sem ter o segundo e há também quem tenha o segundo sem ter o primeiro. Eu não tenho nenhum dos dois e toda a gente sabe. Encarregue-se de me levar ao cadafalso para morrer amanhã de manhã. Esta noite doía-me pouco porque estou triste. Amanhã doer-me-á por certo. Terá de ser discreto. Eu não quero que ninguém me conheça. Basta levar-me para um sítio maior e já ninguém me conhece, portanto o dinheiro chega. Tratarei esta noite de cortar o cabelo todo e as pestanas e as sobrancelhas. Se quiser faça uma colagem com o meu cabelo. Era o que eu gostava. Mas se não quiser, pode fazer o que entender. As pestanas e as sobrancelhas não sei se são bonitas cortadas, estou certa de que não fará nada que se aprecie com elas.
A culpa da minha morte não será sua. Por isso, aqui tem algum dinheiro para comprar o que for que o disfarce. Seja discreto. Escolha roupa com os tons da estação. Não use só uma cor que pode não ser discreto. Nem só de preto é discreto. Deixe estar. Amanhã eu deixo-o entrar de novo e pela última vez na minha casa. Será também a última vez que esta casa é minha. À direita deste móvel deixo um saco com roupa para que a vista. A casa de banho é ao fundo à esquerda e novamente ao fundo à esquerda. Eu ficarei junto ao móvel o tempo todo. A espera deve ser o mais imóvel possível para dar ritmo ao pensamento. Na tristeza, quanto mais se mexe os pés e os lábios menos se namora com ela. Não se esqueça que eu vou morrer. Não me diga bom dia. Nem me faça perguntas. Nunca me pergunte se estou ou não certa. Não me pergunte se tenho ou não medo. Não é uma questão sua. Dê-me direcções apenas. Venha. Pode sair do carro. Suba. Desça. Não se mexa. É importante que não se mexa seja a sua última direcção. É importante também que não me deixe dedos, nem pele para atrasar a idenficação do meu corpo. Mas claro que isto é só importante para si, que precisa de tempo para ficar seguro. Mudemos os dois de vida. Eu para uma que não deve existir e o senhor noutro sítio, junto de pessoas melhores, mais rico, com novas manhãs. Saiba que trarei comigo uma arma e só verá a combinação do cofre, onde me acaba de ver a guardar o dinheiro depois de eu estar morta. Quando o senhor me abrir a mão direita encontrará um papel com a combinação. Isto é para garantir que o senhor me mata. Na mão esquerda estará a chave do sítio onde deixei ficar a menina. Ela está bem e ficará bem. O senhor também. Não queira confiar na polícia, porque a menina quer estudar e a polícia não dá dinheiro. A polícia só dá castigos e eu não sou nenhuma criminosa. Só quero que assim seja.
As dúvidas que tiver, saiba que são suas. Pode ser apanhado se não as resolver. Não por mim. Pela polícia, que o castigará. Agora vou oferecer-lhe um chá. Eu gosto muito de fazer chás. Este tem erva-príncipe, manjericão, dois tipos de menta, lúcia lima, anis, flor de laranjeira e raspas de limão. Parece-me que lhe vai fazer bem. Em relação ao seu trabalho, basta dizer quem é. Nome, apelido. Nada mais. São sete mil euros por mês. A morada da casa ser-lhe-á dada pelo padre. Não deve fazer perguntas sobre o padre.
Nunca usei aqueles cálices. Usemos. Este é o cálice do meu nome. Já viu. Tem o meu nome escrito. Tome o chá. Beba o chá. Façamos isto em memória de mim.  

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Je suis Charlie

Nem era de noite. Eles não fizeram segredo.

Que sei eu da vida dos outros se os outros sabem onde guardo a minha.

Nem imaginar. Ficar aqui deitado e ver a surpresa implacável descer sobre o que já se passou.

Sozinho sou só esta limitação em percussão e sopro num destino fixo e firme. Desconfio até haver viagem, sabendo que há na chegada lugar para dormir.

Quando falo contigo sei que nos estendemos à distância um do outro e o destino fixa-se aí. Firma-se no que te digo. É esse o meu deus: o espaço que percorre a minha palavra até que ela chegue até ti. Daqui até aos teus olhos. O destino fixa-se aí. Firma-se dentro da tua lágrima.

Mataram-nos para que a tua lágrima caísse.
Esquecem-se que nós falamos sobre a tua lágrima e não sabem que tu não vais parar de ver o espaço entre nós preenchido quando o mundo dita o requiem e eu com ele sussurro para dentro da tua dor e da nova lágrima que te nasce. 

O que pode um assassino contra nós se não nos calarmos
O que pode um assassino contra nós se viver de olhos abertos
O que pode um assassino contra nós quando falamos
O que pode um assassino contra nós quando vivemos de olhos abertos.