terça-feira, 22 de abril de 2014

Texto para ler de testa franzida

Todávida acordei feliz. Um pouco comózanimais, eu. Um dia hei de acordar infeliz, um pouco comózómens. Todavia, esta manhã (acordei muito descansada. tinha dormido em paz, com uma almofada fria entre as pernas e bem tapada, quando abri os olhos. acordei à temperatura mais correcta de todas e, assim que vi o dia, pensei logo no que vestir. achei até que tinha de tomar o pequeno almoço fora, fora longe, fora ao sol e que tinha mesmo de ligar a música já, já) esta manhã acordei feliz, como todávida. Todavia, logo me ocorreu adiar essa felicidade que, afinal, não fazia sentido, porque há medos e porque há, sobretudo, OS medos. Os medos de ontem. Então, se já tinha lavado os dentes, se já tinha o cabelo preso para tomar duche, e se até já estava meio despida, assim fiquei. Enquanto assim ficava, ia-me arrependendo muito muito de assim ir ficando, mas não me mexia. Arrependia-me só, arrependia-me tanto... Quando olhei as horas e vi que já estavam à minha espera para almoçar, eu pensei que poderia muito bem ligar-lhes e dizer que tinha estado imensamente mal dos meus humores e ai não sei o que se passou esta manhã, comecei a ficar muito... assim... ansiosa... como se... assim mesmo...pronto. estranha. percebes? já te aconteceu? mas já estou melhor, já estou melhor (com isto ganhava, pelo menos, mais quinze minutos antes de ter de ir tomar banho, talvez exfoliar-me, por creme no corpo, por perfume, vestir uma coisa fresca, pentear o cabelo, encaracolar as pestanas e sair. tudo isto é muito custoso para uma mulher que se sente muito...assim...ansiosa... como se...assim mesmo.... pronto. estranha. mas, ao mesmo tempo, sou uma mulher que acha que no fundo mais vale ficar, assim... bonita....assim... elegante... assim... distante. e assim com aquilo que ela é, enfim... mais ao pé do coração. já que está tão... assim... estranha... triste... ansiosa. e assim, como se o medo todo a colhesse e ninguém pudesse ver o desamparo da minha pessoa, mesmo todo à mostra), mais ai depois parecia que até a minha vizinha chorava, a minha vizinha, a criança, parecia que lhe tinham batido. mas bateram-lhe? não sei. é que era um choro, assim... tão inconformado. como se saísse por entre os buracos... como se não saísse por vencer tudo e explodir. assim... ai fez-me muita impressão.... muita impressão. sabes?... é uma criança tão linda... pois eu já a vi. mas achas que devíamos fazer alguma coisa? não sei... tenho medo que se fizermos depois seja pior. ninguém sabe o que fazem às crianças nesses lares, enfim... nessas coisas para onde as levam. e mesmo as famílias têm um nome tão... tão... assim... de direita. sabes...? tão Estado Novo... tão igrejinha. parece mesmo aquele nome que há numa porta da Encarnação, no Bairro Alto. aquele nome horrível. assim... "Asilo dos Calafates - Terceira casa da sociedade da infância desvalida". entendes? "família de acolhimento" pois, pois, o melhor mesmo é não fazermos nada. eu também acho. bom também já sabes... todos levámos as nossas palmaditas não é? e depois toda a gente sabe que as crianças exageram imenso... imenso. ah sim, as crianças e as suas extravagâncias. parece ironia, mas é bem verdade. é, é... eu sei que é. então não é? A preocupação da cara dela fintava as palavras que dizia e eu ia ficando cada vez mais arrependida (olha, mas já a viste na praia? ai tem daqueles fatos de banho acolchoados! eu acho o máximo. quando eu tiver filhos eu quero ter, para os meus filhos, esses fatos de banho! sim, sim, muito giros. e o sol? olha ontem comprei estes calções novos? foi? foi. e foram caros? não, nem tanto. quer dizer não podia comprar três... tens muita graça. ai, filha, pois temos de nos agarrar a estas coisas. mas olha e como estão as coisas com o João? bem. pois, pois, que bom. mas boas mesmo? sempre vão de férias agora? em princípio, sim, sim. vai vos fazer super bem. acho que sim, estamos a precisar. pois estão. enfim... não era isso que eu queria dizer... lá está... todos os casais precisam... mas mais tu! mais tu, porque trabalhamos tanto, não é? olha, olháli tão giro o cão! olhó cão ali, tão giro! está todo feliz! acordou bem disposto, não é como eu... olha, olha que engraçado!).



Sem comentários:

Enviar um comentário