Naquela rua as linhas eram finas e as cores alaranjadas davam aos passos um ar infantil. O passeio existia meio torto e com alguns pontos mais altos que outros. Habitava ali um tempo dourado que fazia pensar no verão e na imponência fria do capricho de uma rapariga loira vestida de cor de rosa. Querer jogar nas ruas ao sabor do giz frio que ficava em cima da secretária a noite toda. Fazer cruzes e círculos com gente no meio prisioneira deles ou deles afastada sem meio termo. Os insetos que ali havia eram só carochas que muito pretas ameaçavam estar prestes a explodir. As coisas vincavam-se como as personalidades e o ar sentia-se em todas as suas dimensões bege.
sexta-feira, 22 de abril de 2016
sexta-feira, 8 de abril de 2016
Há na velocidade
Há na velocidade uma impressão de eterno que
desmarcara impressões de infelicidade. Estabelece-se na ideia antiga de que os
caminhos são para se fazer até ao fim. Mas a velocidade tornou-se superior a
isso, superior a todos os medos que os caminhos implicam e, alheia às vontades,
fê-las convergir numa adjacência a tudo que não toca em nada. Não é por isso
que a velocidade há de significar menos. O significado e o toque são coisas
absolutamente paralelas e podiam existir perfeitamente cada uma por si. A casa
transformou-se com o tempo. Um pouco como mudam as línguas dos países em que
não há guerras. O tempo afeta as casas de toda a gente e os edifícios não valem
menos que as famílias que neles moraram mais ou menos rápido. Estava pintada e
agora parece ter estado pintada. Antes via-se-lhe a cor, agora a cor deixa-se
ver quando quer que a vejam. Foi sempre uma casa sem amarras que nunca deixou
que nós percebêssemos se a tínhamos feito à nossa imagem ou se ela nos tinha
feito a nós com um dentro e com um fora, com quartos para ocasiões diferentes,
com cozinhas para comer, discutir e às vezes fumar. Também ninguém sentia a
casa como um mistério. A casa era uma realidade e a gente tocava-lhe, sabia-lhe
das manhas. Ignorávamos-lhe a indiscutível independência, mas reconhecíamos-lhe
o devido afastamento. Isto passa-se assim pelos pactos que as casas em que
vivemos nos impõem. Pactos em que negociamos a seu favor convictos de que o
sítio onde se dorme é o sítio que nos acorda. Quando eu deixei a minha casa,
não fui sozinha. Ajudei um fugitivo. E a vagarosa forma de ser da casa ficou
ali a assistir à nossa velocidade. Deixei tudo como estava. E ninguém mais veio
a morar lá. A casa sabe, no entanto, que nós também não moramos lá. Tal como
sabe que os casamentos duram sempre menos do que os sítios escolhidos para que
os meus pais durmam, conspirem e acordem juntos. A beleza estabelece-se nesses
quadros. Nas distâncias entre as coisas. Todos nós temos a casa em grande
conta, hoje. Alguns de nós até temos medo de ser menores do que a soma daquilo
que lá ficou e a independência de que a casa sempre desfruta. Foi por isto que
pedi ao meu pai para que voltássemos a casa. O meu pai respondeu-me que a casa
ignorava que eu lá morava ainda e que eu talvez não fosse responsável o suficiente
para perceber que as casas não são como os homens, que se podem apaixonar por mim. A
mim aquele entendimento não me parecia natural de alguém responsável e foi por
isso que não percebi nada daquela conversa. A vida anda no transporte mais
semelhante às casas que existe e conhece toda a gente, mas multiplica-se em
todos os átomos das pessoas, cheia; a única diferença entre a vida e as casas é
que as casas ficam com o mortal que há em nós e a vida só se desmancha nos
átomos em que multiplica e nunca na fórmula que é dona dela. É porque a vida
tem um casamento com ela própria que nada tem de humano. Também não tem nada a
ver com casas. Como uma velocidade de caminhos indiferentes para ela, dizem que
se autodenomina como a interceção do conjunto daqueles que sentem a
sua rapidez com o conjunto daqueles que, àquela velocidade, não o conseguem
fazer. E comunica com todos, oferecendo aos homens a derradeira rapidez dos
traços que convergem nas personalidades. Essas sim: muito iguais às casas.
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