segunda-feira, 22 de junho de 2015

Ema detestava a solidão absoluta com que contava os sonhos bons de manhã.


Ema detestava a solidão absoluta com que contava os sonhos bons de manhã. Os sentidos iam todos para dentro do cérebro. Convencia-se de que estava a mentir. Às vezes acrescentava isso, "parece que minto e devo estar a mentir mesmo", mas sempre com uma entoação crescente e meio embaraçada que descia para um qualquer facto espantoso que servia de vírgula à parte de que mais gostava. O que mais lhe custava era um desejo imenso de estar sozinha. Um sentido trágico que a fazia arrastar-se para os cafés, pedir uma água tónica e ficar duas horas a perceber a impossibilidade de a beber toda; o gelo sempre derrete mais que a expectativa. Os homens olhavam muito para ela. Ela olhava também muito para eles. Muito mais do que aquilo que seria aceitável e nisto às vezes pensava que até podia ser uma retribuição e não um ímpeto, o olhar deles. Ficava muito preocupada com a forma como a olhavam e tentava agradar. De certa forma interagia com o espaço, para os ver de um sítio mais alto, mais seguro. Era uma maneira de agradecer esses olhos na sua direcção, uma maneira de os servir como nos serve a hora do café mais o entardecer que a cobre. Via-se como uma anfitriã do mundo, mas mais frágil do que isso que a expressão sugere, com muito menos idade e sobretudo sem que a casa fosse sua. Era por isso que sempre que pensava num homem para ela, queria um homem capaz de a saborear como se de café se tratasse, de vinho, quando pintava os lábios, de um desenho, quando se despia e alinhava os cabelos com as sombras dos quartos. Tinha a estranha sensação de que a melhor posição do mundo era ser um relógio de pulso, um relógio caro, num pulso de um homem que se orgulhasse de que o vissem, mas que não o mostrasse. Quase todos os sonhos que tinha, resumiam saudades de ocupar uma posição sincera e vulnerável, em que até o brilho da pele comovesse o toque no rosto para desviar os cabelos. E nunca ter nome, porque isso não serve para nada. Ser só bonita demais. Ninguém precisaria de a chamar. Viriam ter com ela, todas as noites. E ela ficaria calada de manhã; os sentidos ficavam a seus pés; as mentiras iam com eles, nos olhos.