às vezes gostava de, baixinho, narrar-te o meu corpo e a maneira como te tocariam as minhas mãos
queria palavras cheias de significados e ilustrações a óleo demoradas em vinte e dois por três
um compasso lento qualquer cheio de peso e uma cadeira para te sentares
não posso fazê-lo porque não sei ter a distância que era preciso para que tu me contemplasses
sentava-me no teu colo e tu desatavas a achar tudo exagerado
eu retomava os teus olhos explicando-me com muitos gestos
saía da narração do meu corpo e da maneira como te tocariam as minhas mãos
e as ilustrações continuavam a demorar em vinte e dois por três
um compasso lento qualquer indiciava-me que pensavas ter uma mulher despida em cima de ti
as palavras cheias do primeiro começo escorregavam então a custo pelos meus ombros
e tu, constrangido, punhas as mãos em cima deles para me vestir e para as agarrar
para dizer as tuas últimas que caiam com o meu nome no cartaz
carolina
carolina
fica aqui
e depois de pouco tempo ias embora
as tuas mãos ficavam em cima dos meus ombros a lembrar-me que a única intimidade que havia comigo era o espetáculo
e tu nem sabias que me tinhas dito isto pelo que eu não tinha como culpar-te
educadamente num contentamento triste eu tinha-te só agradecido
a razão era que
o tempo é o que mais se perde e dói perder, obrigada.
o tempo é o que mais se perde e dói perder, obrigada.
daquela cadeira e em vinte e dois por três, obrigado era a única palavra que tinham o amor e arte
como tinha sido eu a dizer era obrigada que tinha saído