quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Casa: parte primeira - último volume (duvidar do ideal)

As paredes tinham fogos de artifício para celebrar a tua chegada
e era tão precoce querer levar o mundo a ver-me contigo quando chegasses
que eu reuni nos bolsos do avental das cozinheiras sete punhados de carpideiras
não fosse eu chorar
se não viesses à nossa festa.

seria uma coisa íntima.
uma coisa muito nossa e eu não teria mais daquele whiskey oferecido que derramaste desde o meu peito ao meu ventre quando me emprestei a ti.

juro-te que não te juro mais nada sem ser deitar tudo o que não é da nossa pequena festa para fora do mundo.

eles que se entretenham sem nós; os nossos demónios que se ardam sozinhos. juro-te também que preparo o meu coração com arames desenhados a lápis de cor para que te encante tanto abraçar-me como te seja natural deixar-me porque às vezes tu tens de ir embora. eu sei. peço desculpa por esta da mentira das juras mas tenho muitas juras para deitar por e sobre ti. tu sabes que é assim.

um dia contaram-me que jurar era olhar circularmente a alma não para a prender mas para a guardar numa caixinha, como aquelas caixinhas onde se guardam os compromissos. os anéis. talvez tu, talvez tu um dia possas comprar-me um anel. um anel bem bonito que seja nosso. um símbolo. os símbolos vencem a distância; a física toda não pode nada contra os símbolos.

espero que esses comprimidos que tomas para te livrares da coceira nos olhos quando ouves aquelas músicas não te causem habituação. não quero sentir o teu rosto frio quando chegares. nem eu, nem as tuas lágrimas de saudade merecemos esses teus pontos finais. tanto mais preferíamos a irritação dantes quando julgávamos que tu só conhecias as reticências.

enganar uma mulher decidida é de uma vileza tremenda,
fica uma mulher decididamente enganada.

há vinte e um minutos vi-te numa tela iluminada e os meus joelhos cruzaram os arrepios que deles vinham com os arrepios que vinham do meu coração e fiquei muito perturbada. não sei portanto que andaimes invisíveis terei de montar para que me vejas de pé quando chegares. talvez os camareiros me ajudem. ou talvez possa arranjar umas criadas loirinhas para vigiarem o meu equilíbrio.

ainda que tenha esse receio, tomei nota na aula de fonética para comprar um perfume unanimemente misterioso a combinar com as rosas que o vinho me proporciona sem destoar do gigante robe de seda com cauda vermelho e preto que não te vai parecer gigante ou bicolor. parecer-te-á ondulante como um mar de aromas que acontece serem satélites da minha pele. um bom astronauta é necessariamente como um bom filho. regressa a casa.

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