domingo, 1 de dezembro de 2013

Odàbestautomática!i,imortal!


Dói-me a vida toda, muito.
Se não estivesse tão cansada até chorava. 
Se estivesse demasiado cansada
Ia me deitar.

Assim, sentei-me. 
E fiquei. 
À espera de qualquer coisa
de duas coisas:
À espera de me ir deitar 
E
À espera de desatar aos gritos.

Não desatei aos gritos e continuei sentada.
E retomei a grande consideração:
Dói-me a vida toda, muito.

Queria ter pressa por alguma coisa
que valesse a pressa.
Só tenho pressa por coisas que já foram.
E quero resolver as coisas que já foram
Outra vez.
Estou carregada de ideias novas.
Ideias novas que só existem p'las coisas velhas. 
E as coisas velhas se gostassem de mim
Não eram, claro, não eram, claro, coisas velhas,

Há um elixir que faz bem à psicose.
Está por detrás da sombra da gente. 
E ninguém sabe porque faz bem à psicose.
Talvez só faça bem à psicose
Acreditar em elixires.

Mas também já sabíamos isso.
Já sabíamos (tanto, tanto) que nem é bonito isto estar escrito.
Aborrecer a dor é um cliché.
Estar aborrecido não tem nada de novo.
Novo é punst! punst! punst! 

E era agora eu escrever:
"Faz-me festinhas na cabeça.
Trata-me como tratas o teu cão
Que eu não preciso de mais!
Faz aquela voz embaraçosa e chama-me!
Deixa-me pular-te no colo!
Corta-me as unhas.
Amacia-me os pelitos.
Esquece-te do meu nome e diz só:
Shim, shim! Shim! 
Oh rica coisa! Rica coisinha!
Depois cansas-te, queres é fazer coisas de homem e dizes:
Vá, já chega, vamos lá acalmar...
E depois ri-te de eu não me acalmar
E dá-me uma palmada.
Sabe que me vou embora e não me abano mais.
Depois tu ris e vais contar a tua avó.
A bicha tem personalidade, imagina!, avó
E a avó imagina e ri."

Ou então:
"Um dia arranjo paciência e ponho calçada na banheira.
Com motivos do mar.
Oh sim!"

Ou então:
"Um dia arranjo vergonha e colo-a nos olhos!
Hei de vos denunciar a todos."

Continuo sentada e com vontade de escrever isto:
.
Ninguém sabe ler isto.
E agora o que é que eu faço?
Imito c'a boca?
C'as mãos?
Pinto na testa?
Digo:
põõõntu final. 

Ouvem-se aplausos nas minhas axilas
Dizem-me que acertei.
Ah! BOM!
"Vou acreditar nas axilas para mostrar que sou sublime!"

São só duas as verdades da vida.
As minhas e a vossa. 
É isto que é a arte.
O artista é o vagabundo que pensa assim.

Os outros pensam que cada um tem as suas opiniões.
Os outros pensam que a verdade é um conceito problemático.

Os artistas são fascistas 
Com óculos de gente de esquerda,
Com ideais de gente de esquerda, às vezes. 
Mas, os artistas, na verdade, dividem o Mundo em três tipos de gente:
Gente, bons artistas e pseudo-artistas.
De todos, a amar alguém,
Os artistas escolhem amar a gente. 
O artista é o vagabundo que pensa assim.

O artista pensa assim porque tem inveja dos outros artistas
E porque acha que os pseudo-artistas ficam mal na biografia.

Os artistas são uns engraxadores!
Os artistas pensam que dar graxa é a forma imoral de articular o português.
Os artistas pensam que não há imoralidade.
É, os artistas são os vagabundos que pensam assim.
Por isso, os artistas quando dão graxa e veem a pessoa engraxada a brilhar,
Pensam que são muita bons articuladores do português.
É, os artistas são os vagabundos que pensam assim.

Os artistas são feios quando se apaixonam.
São chatos, frustram-se mais do que os outros. 
E quando estão tristes, os artistas, acham que os outros têm interesse.
Quando se aborrecem e estão mal-humorados,
Os artistas, acham que os outros pensam que o mau humor deles 
É interessante e engraçado.
Quando os outros não acham interessante e engraçado o mau-humor dos artistas,
Os artistas amuam.
E sentam-se.
Dá-lhes vontade de duas coisas:
Ir deitar e chorar.

E depois dizem coisas pomposas como "ser poeta é ser mais alto".
Ser diferente é muita bom! Os artistas têm buéd likes no facebook.
E depois a gente normal, que articula o português normalmente
diz: Pah, és um artista!
E ri, porque sabe a piada.
Os artistas coram, porque também sabem a piada.

É culpa dos artistas a vagabundagem.
É culpa dos artistas as doenças.
É culpa dos artistas haver morte.
É culpa dos artistas haver fome.
É culpa dos artistas o amor estar a morrer.
É culpa dos artistas a poligamia.
É culpa dos artistas o poli-amor.
É culpa dos artistas a Igreja.
A merda do Céu é culpa dos artistas!
A merda do Inferno é culpa dos artistas!
É culpa dos artistas haver ateus!
É culpa dos artistas o decréscimo na filiação partidária!
As mães dos políticos são artistas!
Os pais dos políticos são artistas!
É culpa dos artistas haver crise em Portugal!
É culpa dos artistas votos nulos e brancos!
É culpa dos artistas haver violência!
Quando alguém grita, quando alguém chora:
É culpa sempre, sempre, sempre, é culpa sempre de um artista.
É culpa dos artistas o abandono escolar!
O acordo ortográfico é obra dos artistas!
É culpa dos artistas o desastre demográfico que é a China!
Haver menstruação é culpa dos artistas!
As guerras são culpa dos artistas.
Deixam os velhos no hospital por causa dos artistas.

É normal, muito normal, que ninguém viva da arte.
Porque Deus disse: "quem faz o mal será castigado."
Porque a Lei diz: "quem faz o mal será castigado."
Por isto tudo:
Até os próprios artistas acham que morrer à fome fica bem na biografia. 

Os artistas odeiam a invenção da penicilina!
Os artistas eram fãs da tuberculose!
Claro está, por causa da biografia.

Os artistas só amam a biografia que acham que lhes vão escrever. 

Sabem porque é que os artistas não vão à primark?
Porque os artistas odeiam "o consumo para todos".
Os artistas negam as boas intenções do capitalismo.
Os artistas não acreditam nas seitas.
OS ARTISTAS SÃO MAÇONS!
Os artistas desviam dinheiro. 

É normal, muito normal, que os artistas não tenham amigos.
É normal, muito normal, que os namorados dos artistas os abandonem!
É de louvar!

Um artista é a pior coisa que o Mundo pariu.
Nem se sabe se foi o Mundo que pariu os artistas
Se foram os artistas que pariram as Trevas
Depois as Trevas que pariram o Caos, 
depois o Caos que pariu a Ordem
E la, la, la, la, la, la.

E por isso é que não há ordem.
Há artistas. 

Levanto-me.

E não vou escrever:
"Levanto-me e orgulho-me."

Não.

Nem vou escrever:
"Levanto-me e continuo sentada".

Levanto-me
Porque tenho de ir a casa de banho. 
Aponto o dedo aos artistas.

A fisiologia é, também, culpa deles!!!!

Carolina Gramacho









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