quinta-feira, 26 de março de 2015

Casa: equação feliz para o esgotamento da saudade

quando vi que era assim estendido que o sorriso ia morando, corri a dizer ao ouvido da minha paciência que eu e ela nos íamos separar. devagar, comecei a sentir que as cores escapavam às leis da  física e que a vida era um xarope para tomar de manhã. de repente, mas com pouca surpresa, não fosse a surpresa inquietar as sensibilidades ainda desenhadas na aguarela da noite, um laivo de cor de laranja dizia haver receita para todos os sóis e jurava que era todos os dias a mesma só para não nos preocuparmos com ela. ela, que todos os dias nascia no lugar da primeira impressão de amanhecermos numa colherada curva, invadia o universo inteiro inteiramente cheia de si. pela fresca surgia tão doce e a tal ponto de caramelização que pedir licença se tornaria má criação e as carpetes de todas as casas deixariam de fazer sentido todas ao mesmo tempo e em sinal de protesto. todos os dias numa colher que dava a impressão ter cor de duas framboesas muito coladas ia a colocar por detrás dos olhos da gente toda e qualquer faísca permanente, enquanto pólens nos faziam festas nos pêlos dos lóbulos das orelhas e as pestanas faziam o que é de si: pestanejar deitadas em cima dos olhos. o agradável disse-me então que a distância dos molares aos caninos era agora precisamente maior do que uma órbita inteira mais meia órbita dessa órbita ao quadrado e eu percebi que eram precisas setecentas e dez américas mais vinte e sete trutas para eu me sentir longe de ti. sentei-me depois para trás e não procurei confirmar.

terça-feira, 24 de março de 2015

todos os pais abandonam os filhos, o meu pai é pai, logo o meu pai abandonou-me

espaços de tempo sonoro. é esta a forma do acesso a qualquer coisa que seja do nosso domínio enquanto espécie. sem esta fórmula, toda e qualquer noção, mesmo que exista, é inenarrável. como se as palavras se conhecessem umas às outras e a elas próprias... quem as conhece tem saber onde estão os seus espaços de tempo vazio, reconhecê-los sonoramente e construir-lhes casas. isto é, tem de estar aberta a porta da explicação. como se nós nos conhecêssemos e conhecêssemos os outros... quem nos conhece tem de saber onde estão os nossos espaços de tempo vazio. essa noção é o espaço entre os espécimes. os espécimes não o reconhecem sonoramente e por isso não o conhecem de todo. como nós, todo o espaço de som tem só uma impressão da sua unidade. irrelevantemente, a capacidade que nos estende, construir espaços de tempo sonoro, é a capacidade que nos limita. e há de nos limitar porquê, se nem sabemos haver forma de som para o espaço de tempo que corresponda a essa limitação. a vida principia identificando unidades discretas. antes da impressão da unidade há uma impressão vaga de tudo o resto. e isto necessariamente. a voz da mãe, a voz do pai, a impressão da cama, do sol, da lua, da noite e do dia. quando alguma coisa dessa nos toca é porque já temos uma ideia vaga de unidade. aí concebemos a existência de relações. e isto necessariamente. espaços de tempo sonoro para todos os espaços de tempo narráveis e tudo está certo. a criação do interlocutor corrobora a impressão da unidade. quando um filho diz que aquele é o seu pai, há qualquer coisa na forma da fórmula de espaço de tempo sonoro que os separou. se isto fascina o cérebro, há que a ter noção de que o fascínio, o pensamento, os sonhos, as coisas, como as relações, servem para intensificar a nossa ideia de unidade. se isto nos fascina, então estamos de frente e peito aberto para uma porta fechada. uma porta inenarrável. uma porta de incompreensão que necessariamente se depreende no limite da compreensão. estamos de frente e peito aberto para a nossa orfandade. necessariamente todos os pais abandonam os filhos. a admitir outra coisa que não esta, há que admitir que podemos construir casas para os espaços de tempo que não reconhecemos sonoramente. todos os pais abandonam os filhos. 


sexta-feira, 13 de março de 2015

Começa a medir-se a partir daqui

Começa a medir-se a partir daqui. A ambição é sempre sair para muito longe, para onde os satélites são coisas reais com etiquetas de real: perímetro, área e vazio à volta. É esta, ou instância desta, a razão geométrica da linha. O raciocínio da existência das formas é uma função da sua delimitação. A ambição é sempre sair para muito longe, para onde se vê a delimitação de tudo. Isto é uma coisa que toda a gente sabe. Ver as criaturas mais distantes até ter a certeza absoluta de que não são criaturas, mas uma espécie de espontaneidade circunscrita a e circunstanciada por uma linha que é daqueles todos que são capazes de a seguir sem pensar muito. Em cima das paredes: a tinta e um obstáculo de vazio pertinente até mim, que sou, quase unanimemente, das formas e não desse vazio que me torna visível. Além disto só posso acrescentar a delícia demorada que seria se assim não fosse.  Um poder espontâneo para esticar o corpo indefinidamente, além do visível. Ir a matar o vazio. Acordar com  sensação de ter uma vontade muito acesa e pouco pensada de ser o próprio obstáculo que é o vazio pertinente e ficar assim o dia todo. Ser uma área sem perímetro que vai de mim até mim. Até mim, claro. A ambição é sempre sair para muito longe. De resto, eu; com coisas reais e visíveis pelo meio. Achar que se é: maneira lógica, ou instância dessa maneira lógica maior, de acreditar nalguma coisa que não se seja capaz de seguir sem pensar muito.