sábado, 28 de dezembro de 2013

Porque me prende o que me pende


Estou perdida
Porque me nego ao sossego
De ser o choque do mar no rochedo
Que é estar muito arrependida.

Mas quanta desilusão acharia
Se o meu fantasma não mais existisse
Numa coragem que só pode ser triste
Porque não namora a fantasia.

Gosto demasiado do amor
Daqueles que no caminho
Me abraçaram a alma e a dor
Que o além me pôs no sapatinho.

Estou assim perdida
Porque me casei criança
De sentença no dedo e a fiança,
Nos cabelos, era já demasiado comprida.

E nesta pena que é eterna,
Deixar-me-ei dormir para sempre
Às voltas e às voltas no ventre
Que é a culpa querendo muito ser fraterna.

Filha de alguma coisa bonita
É a minha liberdade
Morrerá da morte desse fantasma que fita
Fita, fita, fita a minha vontade.

domingo, 8 de dezembro de 2013

A gente deve estar triste pr'orar

Nunca estou preparada
Para quando m'encontro comigo.

Quando m'encontro comigo,
Começa a tocar uma música muito lenta.

Essa música é sempre demasiado triste.
Demasiado triste para que eu a compreenda.

De onde vim?
Quem foi que fez a minha alma?

Sempre uma Lua que desata a ficar cheia
E eu já não aguento olhar p'rás coisas.

Não gosto de sentir com tanta força
O frio que dá a vontade de escrever.

Não gosto de sentir tanto e tanto tempo a ânsia do manifesto
Como duas pesadas mãos negras que me amarram às coisas.

Tenho medo de sentir as minhas mãos
Logo que sinta as mãos que me amarram às coisas.

Sou infeliz quando existo.
Infeliz e meio muda.

Sei que existo só quando quero estar só.
E quando eu existo só quero que esta música me mate.

Quem me dera aguentar isto, assim como é...
Pudesse eu aguentar o fogo lento e triste desta morte fria que me quer ir queimando.

Ser mulher, forte, eu queria ser uma mulher forte...
Se eu fosse uma mulher de palavra, talvez pudesse ter tantas palavras...

Quem quer que eu seja assim?
Quem quer que isto viva a me entristecer tanto?

Querem que eu me admita uma mulher frágil.
Querem que eu diga que não quero ser só o Mar e o seu pequeno horizonte.

Querem todos que eu diga  que não aguento não gostarem tanto de mim.
Querem todos que eu diga que para gostarem de mim, como quero, deviam esquecer-se deles...

Admitir que quis ser sempre, para sempre, uma boneca mágica...
Aquela boneca mágica para quem eles costuram vestidos-universo

Aquela boneca rainha de quem eles serão servos arquitectos
Servos costureiros sempre à esperança doida, sorridente e eterna desses vestidos me servirem...

Admitir tanto e com tanta força a míngua disto que me move.
Admitir tanto e com tanta força e ficar, assim, tão triste.



Carolina Gramacho







sábado, 7 de dezembro de 2013

Àliança

Achtúpida da minh'alma está com ataques d'epilepsia.

Por causa do stresse.
Rodopia e treme.

Achtúpida da minh'alma...

Parece ca vejo.
Rod'ua cabeça.
Rodo totalment'a cabeça.
Lentamente.

A cabeça vê-mos calcanhares quando estou direita.
Abaixa-se até'ó estômago quandchtou de frente.
O pescoço nada solto nos meuz'ombros.
Sem alma! sem limites!.
Confiante!

Eu!
Eu!, maíchque nunca!

Eu!, começ'ándar
Sinto-mamaior.
Íeis que:
Vej'achtúpida da minh'alma nas pedras da calçada,
Vej'achtúpida da minh'alma na roda das pedras da calçada,
Vej'achtúpida da minh'alma na pedra que iniciós passeios,
Vej'achtúpida da minh'alma nuálcatrão,
Vej'achtúpida da minh'alma nas casas,
Vej'achtúpida da minh'alma nas caras da gente,
Achtúpida da minh'alma é
O ar!

Será que as pessoas são todas infelizes
Como parecem quand'as vemos no comboio?

As pessoas começam a abanar a cabeça
Cima até às costas.
Baixo até ao estômago.

Achpessoazóviram.
Achtúpida da minh'alma andáí
Achpalhar os meus sentimentos!

Eléctrica, achtúpida da minh'alma
Andá chocar os pintos ías pintas
Do ovinho q'eu era dantes: surpresa.

Numa sóchtensão
Tôdazas bocas deste país.
Desatam a rir - Agora!

As pessoas no comboio
Têm os lábios gretados
Não querem rir.
Não é costume rir nos comboios.

Querem falar comigo.
Ichtão muito aborrecidas.

Eu fico cheia de medo.
Começ'a meter-lhes medo, também.

Então!, eu:
Pux'a língua com ozólhos muito abertos.
Átua ao poste do comboio e desat'a correr.

Tenhozólhojmuituabertos!

Depois largo-m'í bato c'a cara no poste do comboio

Com uzólhozabertos, ainda!

Depois, a língua enrola toda.
E desata a vir'em avalanche.
Desata a vir de volta pr'á minha boca.
E eu não consigo abocanhá-la.
Também não tento muito,
Porque as pessoas riem mais.

Quanto mais riem as pessoas
Mais me metem medo.

Cort'a língua.
Tento rolar a cabeça enquanto cort'a língua:
- Ólhozabertos Carolina! (Repito alto, sem querer)
As pessoas não param de rir.

Saio.

Comigo sai mais gente.
Achtúpida da minh'alma vaichperneando.

Deita-se no tapete rolante e também ri.

As pessoas começam a pisá-la.

Dói-me.

Então, eu!: estic'o pé p'ra pisarachtúpida da minh'alma
Tento parecer'assustadora com'ás pessoas.
Não olho p'ra ninguém.

Quand'a piso
Achtúpida da minh'alma grita.
Grita que nem doida!

Paro.

Eu paro.
Mazas pessoas não.
Achtúpida da minh'alma está'aflita
Grita à força dos meus pés parados.

Eu!,chtava nochoques.
Por isso malôvia.
PZZT e sangrava dumbigo.

De repente, ceguei.

Uma das pessoas
Que estavó pé da boca dachtúpida da minh'alma

Note-se:
(A cabeça da minh'alma começava do outro lado do tapete rolante
E a pessoa estava desse lado quié maizó pé do metro
Portanto, qua'zz'a ssair)

Mandá cabeça
P'ra mim.
Depois mand'ájmãos.

Sinto dedos nozolhos.
Dói.
E começ'a ver.
Percebo que não tinha cegado.
Estava só com sono.
Agradeç'à cabeça quéra médica.

Achtúpida da minh'almenfurece-se
Transforma-se no Cristo
À cabeceira da minh'avó.

Começu'a correr no tapete.

Achtúpida da minh'alma dezatós vómitos.

As pessoas chamam-me nomes.
(Todas sujas).

As pessoas choram.

Há um senhor com pregos no sorriso
Que me quer beijar'as mãos.

Eu digo que gosto das minhas mãos.
Digo c'as minhas mãos são só minhas.
"Só as beijam quand'eu quero!"
Achtúpida da minh'alma desligá luz do Mundo.
Está d'olhos abertos.
Triste.
Chora fogo.

Também!
Dá-me penáquilo!

Estou com muito medo das pessoas.
Volt'ao tapete.
Encost'a cabeç'ós dentes da máquina.
Col'as bochechas ao chão.

E,

Digàchtúpida da minh'alma:
"Anda, volta p'ra mim
Eu não tenho mais medo.
Já percebi cuzoutros
Ficam monstros contigo.
Já percebi caté somos calminhas
Somos calminhas juntas na nossa intimidade.
Ajduas.
Volta p'ra casa.
Já percebi cassustas mais cá fora.
Anda comigo."

E então, achtúpida da minha pessoa
Entra no metro.

O Sol brilhava íum senhor vendia cães.
No metro.
Nesse dia, achtúpida da minha pessoa,
Não comprou nada
No metro.

Carolina Gramacho








domingo, 1 de dezembro de 2013

Odàbestautomática!i,imortal!


Dói-me a vida toda, muito.
Se não estivesse tão cansada até chorava. 
Se estivesse demasiado cansada
Ia me deitar.

Assim, sentei-me. 
E fiquei. 
À espera de qualquer coisa
de duas coisas:
À espera de me ir deitar 
E
À espera de desatar aos gritos.

Não desatei aos gritos e continuei sentada.
E retomei a grande consideração:
Dói-me a vida toda, muito.

Queria ter pressa por alguma coisa
que valesse a pressa.
Só tenho pressa por coisas que já foram.
E quero resolver as coisas que já foram
Outra vez.
Estou carregada de ideias novas.
Ideias novas que só existem p'las coisas velhas. 
E as coisas velhas se gostassem de mim
Não eram, claro, não eram, claro, coisas velhas,

Há um elixir que faz bem à psicose.
Está por detrás da sombra da gente. 
E ninguém sabe porque faz bem à psicose.
Talvez só faça bem à psicose
Acreditar em elixires.

Mas também já sabíamos isso.
Já sabíamos (tanto, tanto) que nem é bonito isto estar escrito.
Aborrecer a dor é um cliché.
Estar aborrecido não tem nada de novo.
Novo é punst! punst! punst! 

E era agora eu escrever:
"Faz-me festinhas na cabeça.
Trata-me como tratas o teu cão
Que eu não preciso de mais!
Faz aquela voz embaraçosa e chama-me!
Deixa-me pular-te no colo!
Corta-me as unhas.
Amacia-me os pelitos.
Esquece-te do meu nome e diz só:
Shim, shim! Shim! 
Oh rica coisa! Rica coisinha!
Depois cansas-te, queres é fazer coisas de homem e dizes:
Vá, já chega, vamos lá acalmar...
E depois ri-te de eu não me acalmar
E dá-me uma palmada.
Sabe que me vou embora e não me abano mais.
Depois tu ris e vais contar a tua avó.
A bicha tem personalidade, imagina!, avó
E a avó imagina e ri."

Ou então:
"Um dia arranjo paciência e ponho calçada na banheira.
Com motivos do mar.
Oh sim!"

Ou então:
"Um dia arranjo vergonha e colo-a nos olhos!
Hei de vos denunciar a todos."

Continuo sentada e com vontade de escrever isto:
.
Ninguém sabe ler isto.
E agora o que é que eu faço?
Imito c'a boca?
C'as mãos?
Pinto na testa?
Digo:
põõõntu final. 

Ouvem-se aplausos nas minhas axilas
Dizem-me que acertei.
Ah! BOM!
"Vou acreditar nas axilas para mostrar que sou sublime!"

São só duas as verdades da vida.
As minhas e a vossa. 
É isto que é a arte.
O artista é o vagabundo que pensa assim.

Os outros pensam que cada um tem as suas opiniões.
Os outros pensam que a verdade é um conceito problemático.

Os artistas são fascistas 
Com óculos de gente de esquerda,
Com ideais de gente de esquerda, às vezes. 
Mas, os artistas, na verdade, dividem o Mundo em três tipos de gente:
Gente, bons artistas e pseudo-artistas.
De todos, a amar alguém,
Os artistas escolhem amar a gente. 
O artista é o vagabundo que pensa assim.

O artista pensa assim porque tem inveja dos outros artistas
E porque acha que os pseudo-artistas ficam mal na biografia.

Os artistas são uns engraxadores!
Os artistas pensam que dar graxa é a forma imoral de articular o português.
Os artistas pensam que não há imoralidade.
É, os artistas são os vagabundos que pensam assim.
Por isso, os artistas quando dão graxa e veem a pessoa engraxada a brilhar,
Pensam que são muita bons articuladores do português.
É, os artistas são os vagabundos que pensam assim.

Os artistas são feios quando se apaixonam.
São chatos, frustram-se mais do que os outros. 
E quando estão tristes, os artistas, acham que os outros têm interesse.
Quando se aborrecem e estão mal-humorados,
Os artistas, acham que os outros pensam que o mau humor deles 
É interessante e engraçado.
Quando os outros não acham interessante e engraçado o mau-humor dos artistas,
Os artistas amuam.
E sentam-se.
Dá-lhes vontade de duas coisas:
Ir deitar e chorar.

E depois dizem coisas pomposas como "ser poeta é ser mais alto".
Ser diferente é muita bom! Os artistas têm buéd likes no facebook.
E depois a gente normal, que articula o português normalmente
diz: Pah, és um artista!
E ri, porque sabe a piada.
Os artistas coram, porque também sabem a piada.

É culpa dos artistas a vagabundagem.
É culpa dos artistas as doenças.
É culpa dos artistas haver morte.
É culpa dos artistas haver fome.
É culpa dos artistas o amor estar a morrer.
É culpa dos artistas a poligamia.
É culpa dos artistas o poli-amor.
É culpa dos artistas a Igreja.
A merda do Céu é culpa dos artistas!
A merda do Inferno é culpa dos artistas!
É culpa dos artistas haver ateus!
É culpa dos artistas o decréscimo na filiação partidária!
As mães dos políticos são artistas!
Os pais dos políticos são artistas!
É culpa dos artistas haver crise em Portugal!
É culpa dos artistas votos nulos e brancos!
É culpa dos artistas haver violência!
Quando alguém grita, quando alguém chora:
É culpa sempre, sempre, sempre, é culpa sempre de um artista.
É culpa dos artistas o abandono escolar!
O acordo ortográfico é obra dos artistas!
É culpa dos artistas o desastre demográfico que é a China!
Haver menstruação é culpa dos artistas!
As guerras são culpa dos artistas.
Deixam os velhos no hospital por causa dos artistas.

É normal, muito normal, que ninguém viva da arte.
Porque Deus disse: "quem faz o mal será castigado."
Porque a Lei diz: "quem faz o mal será castigado."
Por isto tudo:
Até os próprios artistas acham que morrer à fome fica bem na biografia. 

Os artistas odeiam a invenção da penicilina!
Os artistas eram fãs da tuberculose!
Claro está, por causa da biografia.

Os artistas só amam a biografia que acham que lhes vão escrever. 

Sabem porque é que os artistas não vão à primark?
Porque os artistas odeiam "o consumo para todos".
Os artistas negam as boas intenções do capitalismo.
Os artistas não acreditam nas seitas.
OS ARTISTAS SÃO MAÇONS!
Os artistas desviam dinheiro. 

É normal, muito normal, que os artistas não tenham amigos.
É normal, muito normal, que os namorados dos artistas os abandonem!
É de louvar!

Um artista é a pior coisa que o Mundo pariu.
Nem se sabe se foi o Mundo que pariu os artistas
Se foram os artistas que pariram as Trevas
Depois as Trevas que pariram o Caos, 
depois o Caos que pariu a Ordem
E la, la, la, la, la, la.

E por isso é que não há ordem.
Há artistas. 

Levanto-me.

E não vou escrever:
"Levanto-me e orgulho-me."

Não.

Nem vou escrever:
"Levanto-me e continuo sentada".

Levanto-me
Porque tenho de ir a casa de banho. 
Aponto o dedo aos artistas.

A fisiologia é, também, culpa deles!!!!

Carolina Gramacho